quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Reflexão e escrita


Por Rosangela Dias

Escrever não é fácil. Trata-se de um ofício que passou a integrar os costumes culturais da humanidade há muito pouco tempo. Somente a partir do século XIX é que ler e escrever se tornaram habilidades relevantes e necessárias. Transformar sentimentos, aflições, angústias, dúvidas, as quais fazem parte do repertório humano há tempos, em letras é tarefa mais recente. O mesmo quanto a reflexões racionais e explicativas que fogem da área do sentimento e se interessam por tentar o controle do acaso.

Entretanto, inúmeras pessoas se aventuram pela escrita, umas com mais sucesso do que outras. Mas o pior se dá quando alguns aventureiros não se conformam com a desventura de não serem reconhecidos como grandes escritores. Como, até hoje, a Apicuri possui em seu catálogo majoritariamente textos acadêmicos, sofro bastante com a tarefa de questionar a qualidade de textos que me são sugeridos.

Ossos do editorial

Recebo inúmeros textos para apreciação. De início fiquei feliz com este “assédio editorial”, até porque decidi ser editora em função de textos de qualidade que encontrava na academia e que não vinham a público. Entretanto, penso que na área acadêmica a situação mudou, e para pior. Credito esta mudança a vários fatores, mas um considero fundamental: o produtivismo da CAPES que cobra dos pesquisadores em ciências sociais uma produção de artigos em um curto espaço de tempo. Os professores cobrados por este produtivismo, que exige quantidade, fazem revistas e livros que poucos lerão. Por sorte, com as publicações online, as árvores estão relativamente protegidas dessa sanha produtivista/CAPISTA. Por que os acadêmicos “caem” nessa cilada? As razões são múltiplas, entre elas: conseguir bolsa por produtividade, aumentar o conceito do programa de pós-graduação onde lecionam, consequentemente, garantindo sua permanência e as bolsas governamentais que recebem e, por último, mas não menos importante, a vaidade. Este pecado que, segundo alguns, é o preferido do diabo.

Por conta disso, há uma quantidade enorme de textos (mal) escritos na academia. Muitas vezes, os temas são bons, as fontes utilizadas para a pesquisa são pertinentes e atraentes e os conceitos e a reflexão, bem alinhavados. Mas a leitura intrincada só permite que vejamos isso se conhecermos os vícios da escrita acadêmica, e estamos desesperadamente a procura de um bom tema para publicação.

A Companhia das Letras, referência de qualidade em editoria no Brasil e sonho de consumo de dez entre dez escritores nacionais, iniciou sua atividade publicando textos acadêmicos. Verifiquei, surpresa, que a tese de Sidney Chalhoub, Visões da liberdade, transformada em livro homônimo, foi utilizada quase que integralmente pela editora citada. Chalhoub, analista, pesquisador e conhecedor de Machado de Assis, certamente bebeu da fonte machadiana, para produzir um texto, não só convincente, como atraente.

Sugiro aos acadêmicos, principalmente da área de ciências sociais, que leiam, mas leiam muito e, principalmente, os grandes romancistas. Conquistarão momentos inigualáveis de prazer e melhorarão muito a reflexão e a escrita.