quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Personagens inesquecíveis


Por Christiane Angelotti

Tudo bem, devo admitir que ando numa fase super crítica com relação ao mundo literário. Talvez por sempre ter tido uma visão romanceada da vida e por consequência, da literatura. Agora, trabalhando mais, estudando e totalmente envolvida com literatura, vejo que romance não passa de um gênero literário e que no “mundo real”, fora dos livros, o que mais me deixa comovida é a coragem e persistência dos autores de talento que ainda não conquistaram seu “lugar ao sol”. E são muitos.

Bom, mas quero aproveitar o meu espaço e propor uma outra reflexão, sobre os personagens marcantes. Aquela espécie de mágica que acontece quando um autor cria um personagem e ele parece saltar do papel e ganhar vida. Essa empatia entre personagem e leitor, que muitas vezes é construída intencionalmente e acaba dando certo e outras vezes, mesmo sendo construído para ser assim acaba não tendo o resultado desejado.

Criar um personagem inesquecível é o sonho de todo autor. Muitas vezes, o autor ao construir seu personagem, confere atributos e características ao mesmo sem saber se darão certo, mas o faz por uma espécie de feeling. Em outros momentos, o autor estuda dentro da sua história elementos que possam humanizar seu personagem. Para esse fim, livros como “Jornada de um Herói” de Joseph Campbell, são maravilhosos. Aliás, é um livro que recomendo muito para todos os escritores. Campbell realizou estudos comparativos entre lendas e mitos universais e identificou padrões narrativos comuns entre os mesmos. Mas não se engane quem quiser uma receita, é um livro para estudar, analisar e refletir. Receita para escrever um bom livro, para se construir um personagem de sucesso? Se houvesse mesmo, quem se dedica a escrever sobre tais reflexões inventaria logo um personagem inesquecível, lucraria muito mais.

Acredito que personagens inesquecíveis são aqueles que tocam o coração do leitor. Talvez por serem produzidos num momento de profunda verdade do autor. Aquele momento em que o autor acredita tanto em seu personagem que lhe confere uma “alma”.

Conferir atributos comuns ao ser humano, com toques de coragem e heroísmo? Fazer com que o personagem seja aquilo que gostaríamos de ser? Não sei se há realmente uma receita, além da verdade do autor com relação ao personagem e um certo emprestar sua própria alma ao mesmo.

Sinto falta na literatura contemporânea de personagens assim, inesquecíveis. Como a Emília de Lobato, Dom Quixote de Cervantes, Diadorim de Guimarães Rosa, Dom Casmurro de Machado, entre tantos outros. Para o número de obras publicadas atualmente, personagens assim são cada vez mais raros, isso é algo a ser pensado.

Estamos naquela época em que a Editora busca fazer seus autores mais conhecidos que a sua própria obra. Um autor se torna famoso e vira uma marca e comercializa-se em torno dele. Egos sendo alimentados, leitores idolatrando o autor e dinheiro na conta, da Editora, do autor (este último não é nada mal, mas não gosto dos meios).

Enfim, quero fazer a minha Belle Époque essa em que nós vivemos, espero conseguir viver de escrever, literalmente.

Texto publicado originalmente na edição de Novembro/2011 no Jornal Sobrecapa Literal
(www.sobrecapaliteral.com.br)
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Christiane Angelotti é escritora e editora do site educativo ABC KIDS
(http//:www.abckids.com.br)