A
presente coletânea é fruto do trabalho do grupo de pesquisa Sociedade,
Cultura e Trabalho na Região da Zona da Mata mineira, séculos XVIII-XX, que foi criado após o “II Encontro de História Econômica e Social da Zona
da Mata Mineira”, realizado em Muriaé (MG), em outubro de 2008, na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras Santa Marcelina (Fafism/Muriaé). Por meio de um
meticuloso levantamento das fontes bibliográficas, paroquiais, cartorárias e de
periódicos, o grupo pretende traçar o desenvolvimento da sociedade formada à
margem direita do rio Paraíba do Sul, entre os rios Pomba e Doce, e arredores,
enfatizando aspectos da estrutura de posse da terra, as várias formas de
trabalho, bem como os aspectos sociais, culturais e econômicos surgidos nessa
sociedade entre os séculos XVIII e XX.
O leitor encontrará nestes textos uma leitura fácil, de narrativa
objetiva e adequação entre o método analítico e as fontes utilizadas, em um
perfeito diálogo com a historiografia nacional, possibilitando aproximações e
comparações com outras regiões.
A coleção História e Região
têm por objetivo produzir uma historiografia preocupada em aprofundar o
conhecimento de unidades regionais aclarando temas que incluem o estudo de
sistemas agrários, estruturas populacionais, a organização de famílias e suas
relações de poder, além das perspectivas políticas daí decorrentes.
Inicialmente, os três fascículos que inauguram a coleção se
debruçam sobre a região da Zona da Mata de Minas Gerais privilegiando questões
sobre a demografia escrava, a estruturação da riqueza advinda da cafeicultura e
do escravismo, os conflitos decorrentes da posse da terra e os movimentos
políticos que deram amparo ideológico a essas estruturas.
Embora o grupo trabalhe com quatro linhas de pesquisa: Imprensa e cultura política, Patrimônio e cultura, Trabalho e região e Relações sociais na Zona da Mata mineira, este projeto envolve apenas esta última, visando à maior unidade dos textos.
Embora o grupo trabalhe com quatro linhas de pesquisa: Imprensa e cultura política, Patrimônio e cultura, Trabalho e região e Relações sociais na Zona da Mata mineira, este projeto envolve apenas esta última, visando à maior unidade dos textos.
+ + + + +
Elione
Guimarães toma como ponto de partida pesquisas recentes
que demonstram não ter sido incomum no período escravista e nos primeiros anos
após a abolição da escravatura, o acesso de
libertos à terra, fosse por
compra ou herança, por meio de usufruto ou propriedade e que muitas
vezes estas terras eram legadas por ex-senhores, caracterizando-se em geral
como pequenas propriedades agrárias, não
raro em meio de terras pró-indivisos. Colocadas essas premissas, propõe algumas
reflexões: o que significou para muitos desses libertos terem acesso a um
pedaço de terra?
como eles utilizaram essas propriedades e como nelas se mantiveram? até
que ponto o desejo dos senhores, de deixarem para os libertos porções de terras
para se arrancharem e sobreviverem foram respeitados pelos seus descendentes e
pelos proprietários vizinhos? Essas questões, entre outras, são respondidas
através do relato da saga do liberto Antônio Ribeiro de Miranda e suas
estratégias para sobreviver e manter a si e à sua família em uma porção de
terras legadas por sua ex-senhora e para garantir o seu direito de proprietário
sobre as glebas herdadas, objeto da cobiça de poderosos locais.
Fernando Gaudereto Lamas analisa as características socioeconômicas e
a posse de escravos na área central da Zona da Mata Mineira nos primeiros anos
do século XIX, com foco em dois distritos da Freguesia de São Manoel da Pomba
(atual Rio Pomba): São João Batista do Presídio (atual Visconde do Rio Branco)
e São Januário de Ubá (atual Ubá). Dada a homogeneidade da natureza da fonte e
a confiança no registro, toma como instrumental de pesquisa as Listas
Nominativas, cujas características de dados seriais de caráter oficial , num
período protoestatístico como o abordado, melhor atendem a um trabalho de
quantificação e as examina à luz da micro-história e da técnica de reconstituição
de famílias. Trabalhando estatisticamente o método de comparação das
distribuições por meio de porcentagens - que lhe permite padronizar
distribuições de freqüências num conjunto de freqüências totais diferenciadas -
examina aspectos diversos dessas populações, tais como sexo, estado civil, idade e condição social,
percebendo também que a região era muito carente de meio circulante, fato que
coloca a economia local próxima da camponesa, isto é, baseada essencialmente na
mão de obra livre e familiar.
Jorge Prata de Sousa desenvolve a temática da manumissão de escravos no
município de Cataguases, dando-lhe um recorte temporal que se estende do início
dos anos sessenta à promulgação da Lei
Áurea. Num texto fluido e bem encadeado, elege, dentre os diversos
procedimentos que pavimentavam o caminho do escravo rumo à liberdade, os
registros cartorários de cartas de alforria e os testamentos/inventários com
alforrias neles manifestas, tendo sempre o cuidado de aliar aspectos históricos
aos resultados de sua pesquisa. Ao mesmo tempo, busca perceber as motivações
que aferiram a escravos suas libertações como o último desejo de seus senhores
e, quando necessário, aproxima os registros testamentários e dos inventários às
transcrições cartoriais, tentando averiguar quais as estratégias postas em
prática por escravos e senhores. Examina esses documentos sob os aspectos
motivacionais e condicionantes. Sobressaem nas motivações os bons serviços
prestados pelos cativos. Na variável “condição” destacam-se a prestação de
serviços ( que expressava o esforço do senhor em
fixar o liberto à sua órbita de influência)
e o pagamento (através do
qual o proprietário integralizava parte do capital investido). Do ponto de
vista das estratégias, observa que a manumissão testamental era a que melhor
expressava a vontade do proprietário, recaindo preferencialmente sobre escravos
próximos do seu núcleo familiar, demarcando uma característica da família
senhorial do sistema escravista, onde agregados e escravos, não obstante sua
condição participava intimamente do dia-a-dia, estabelecendo vínculos que
transcendiam a relação sócio-econômica. Faz notar, por fim, que a curva
ascendente das alforrias – notadamente aquelas com cláusulas de prestação de
serviços - nas últimas décadas da escravidão, denota o apego à mão-de-obra
servil e em descenso num processo de deterioração da disciplina escrava e de
diminuição do consenso político favorável à escravidão.
Jonis Freire
focaliza a mudança de direção nos estudos sobre a escravidão
no Brasil, principalmente no que diz respeito à família escrava, argumentando
que essa nova corrente historiográfica derrubou várias teorias a respeito da
promiscuidade dos cativos, da fragilidade de suas vidas familiares e de seus
laços afetivos, sua suposta anomia e a instabilidade do convívio entre pais e
filhos. Mostra que os cativos não eram
infensos à organização familiar, ao contrário, consideravam-na de fundamental
importância para suas vidas e lutavam cotidianamente
para manter e ampliar seus laços de amizade
e parentesco e que a
família propiciou àqueles homens e mulheres escravizados a oportunidade de manter e redefinir
suas raízes africanas, auferir
ganhos (sociais ,
econômicos e políticos ),
constituir espaços
de sociabilidade e solidariedade .
Conclui que essa família se estendia muito
além dos limites
de qualquer unidade
domiciliar ou
consangüínea, podendo atravessar as barreiras legais
da condição de escravo
por intermédio das relações
oriundas entre cativos
e pessoas livres
e libertas.
Márcia
Amantino busca entender como
estava estruturada a escravidão na área de Cataguases, tomando como ponto de
partida a escravaria pertencente ao
Major Vieira da Silva Pinto, o primeiro membro da família Vieira a chegar à
região e, segundo alguns, responsável pela efetiva ocupação e povoamento da
área. Promove o rastreamento desses escravos junto aos herdeiros do Major a fim
de conhecer como se organizavam enquanto comunidade e quais eram os limites e
conflitos de seus cativeiros. Enfoca também a lógica agrária da família Vieira
Resende que mantinha nos casamentos entre primos a principal forma de
estabelecimento de alianças políticas e financeiras, fazendo a riqueza circular
entre os membros do mesmo grupo, além de criar uma espécie de barreira
protetora em sua volta ao fixar os membros da família em fazendas próximas umas
das outras.
Vitória Fernanda Schettini
de Andrade
lança um olhar
sobre o espaço histórico e geográfico de São Paulo do Muriahé, discorre sobre ocupação, conflitos e redes de sociabilidades, revela histórias perdidas no tempo,
profetiza sua crença em
que muitas das incógnitas do passado ajudam a revelar traços e características do
presente,
enfatiza a relevância da
História Regional para a compreensão de outra, mais ampla e reforça a idéia de que as reconstruções das desigualdades regionais
e culturais devem ser compreendidas em seu aspecto mais profundo. Tomando os índios como protagonistas deste
trabalho, a autora revela a face cruel da ocupação do território geográfico de
São Paulo do Muriahé e seu entorno. Com
o discurso de pretensa superioridade, seja administrativa e/ou religiosa, a
cultura branca se fez dominante, ocupando áreas que, até então, pertenciam aos
índios Puris e Coroados e nem
mesmo o Regulamento das Missões de 1845 e a Lei de Terras de 1850 foram
suficientes para conter os problemas enfrentados pelas concessões de terras aos
nativos.