Estranha economia
Felipe Barbosa (1978) é formado em pintura pela UFRJ
(2001) e mestre em linguagens visuais pela EBA/UFRJ (2004), defendendo a
dissertação “A experiência da arte pública”. Seu trabalho, que abrange a
produção de objetos, pinturas, fotografias, vídeos, instalações e textos, é
mostrado com destaque desde 2000 tanto no circuito artístico nacional quanto no
internacional.
O livro Estranha economia
traça uma panorâmica da obra de Felipe Barbosa, com imagens de seus
trabalhos no ateliê e em espaços expositivos. Com foco no processo criativo do
artista, apresenta textos críticos de Alvaro Seixas, Luciano Vinhosa e Sheila
Cabo Geraldo.
Estranha economia é também o título da série de trabalhos em que o artista
usa objetos do cotidiano recobertos de picotes de papel-moeda e os agrupa em
instalações que revelam ambientes familiares porém cheios de estranheza. Outras
séries de trabalhos do artista mostram bolas de futebol desconstruídas em seus
gomos e remontadas em planos ou outros formatos, palitos de fósforo agrupados
para formar esferas orgânicas, casas de cachorro montadas em “condomínios”,
martelos totalmente recobertos por pregos.
Para Alvaro Seixas, “esses objetos, e muitos outros,
elaborados pelo artista Felipe Barbosa, podem ser vistos como crias
maravilhosamente degeneradas da modernidade”. Segundo Sheila Cabo Geraldo,
“quem visita o ateliê de Felipe Barbosa reconhece sua avidez por objetos que se
acumulam e se transformam”. Estes objetos e sua transformação, na obra do
artista, estão, a meu ver, a serviço de um desejo de catalogação, de ordenação,
como uma pulsão aristotélica. Não só nas fotos dos trabalhos em exposição estes
se apresentam ordenados, arrumados, catalogados; também nas fotos de ateliê
está busca de ordem impera: “Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu
lugar.” Matériasprimas: palitos de fósforo, bolas de futebol, casas de
cachorro, lápis, livros antigos, esquadros de acrílico, bolas de sinuca,
bombas, pilhas, guarda-chuvas... Ferramentas: martelos e pregos (também
matérias-primas), alicates, chaves de fenda, cavaletes, mesas de trabalho,
mapotecas, colas, tintas em spray... Todos empenhados em um trabalho incessante
demconstrução de uma nova ordem.
Finalmente, como aponta Luciano Vinhosa, “apropriando-se
de objetos industrializados adquiridos no comércio varejista ou simplesmente
encontrados nas ruas do mundo, o artista os reúne em novas formas para, em
seguida, os recontextualizar na arte, ressignificando seus usos e funções
sociais”. Os interiores de uma casa são transformados pela “pele” de picotes de
papel-moeda que cobre todos os objetos. Em um canto, uma “bicicleta”que, com a
nova “pele”, perdeu sua função de meio de locomoção, transformou-se em um
objetode arte e, no espaço expositivo, se apresenta ao espectador como algo que
“sempre foi assim”, como um objeto de arte saído diretamente da imaginação do
artista — afinal são as convenções do “cubo branco”. Mas ao mostrar a imagem da
simples e comum bicicleta meio recoberta pelos picotes, em pleno processo de
construção, o livro abre ao leitor a possibilidade de ampliar sua reflexão
sobre o fazer artístico.
(Jozias
Benedicto)
Todos os nomes da melancolia
Todos os nomes da melancolia, de Leila Danziger, apresenta imagens de trabalhos
reunidos sob o traço da melancolia, definida apropriadamente pela autora como
“uma forma de resistência ao aceleramento vertiginoso do tempo, uma estratégia
reativa a um tipo de temporalidade — excessivamente veloz e voraz — em que não
apenas o passado, mas também o presente e o futuro nos parecem barrados e
inacessíveis”.
Contra essa velocidade, Leila nos prepara uma finíssima
tessitura de narrativas visuais que retomam o tempo contemplativo da reflexão e
da apreciação estética. É notável o cuidado artístico com que trata a presença
ordinária das coisas que a cercam, transformando-as em um mundo extraordinário
para os olhos e a imaginação, seja por meio de fotografias com referências ao
mundo doméstico ou por meio de gravuras retomadas da história da arte, ou ainda
pelo próprio ato de reconstruir novas imagens a partir de imagens já
desgastadas. Por exemplo, quando trabalha com as folhas de jornais,
escalpelando-as, Leila extrai delas todo o excesso para fixar apenas aquilo que
interessa: uma imagem surpreendentemente bela de uma romã partida e/ou
reinserindo em suas páginas linóleo-gravuras e versos, um balbuciar quase
eloquente daqueles que tiveram suas vozes caladas à força.
A melancolia, sentimento normalmente vivido na
intimidade, ganha em seus trabalhos uma dimensão social e coletiva quando a
artista a faz deslizar da experiência particular, centrada em seu universo
familiar, para experiências mais amplas da humanidade: o massacre dos judeus na
Segunda Guerra, a diáspora palestina, o sofrimento do negro desterrado tomado
pela saudade de sua terra natal, o drama dos desabrigados.
Nas páginas que seguem, acompanhadas de textos críticos
esclarecedores, alguns escritos pela própria artista, o leitor, ou melhor, o
bom apreciador visual — porque este é um livro para apreender com os olhos —,
vai encontrar todo um universo de delicadeza que toma o fazer artístico hoje,
tal atitude melancólica, como gesto de resistência contra a voracidade do tempo
e do espetáculo... Vanitas!
(Luciano
Vinhosa)