Por William Oliveira
“Um arquiteto tem de ser um psiquiatra, e não um
terapeuta”
–
foi uma das inúmeras pontuações perspicazes que o crítico de
arquitetura, Paul Goldberger, trajando um estiloso par de meias vermelhas com
listras brancas, lançou ao público na segunda mesa de ontem, quinta-feira. Num
cenário
mediado por Ángel Gurría-Quintana e com a presença do não menos
provocador arquiteto português Eduardo Souto de Moura, um debate mais do que
necessário
veio à
tona: a relação de identidade e funcionalidade que a
arquitetura, esta disciplina habitada por tantos egos e vaidades, precisa ter. Afinal,
como o próprio
Souto de Moura observou, “ninguém consegue dormir ou almoçar num
manifesto”.
Ou tampouco transitar com conforto, se formos pensar em nossos grandes pólos
urbanos, inundados de construções que mais dizem respeito aos traumas de infância dos
arquitetos do que ao bem-estar que deveriam proporcionar, seja no ir e vir ou
na mera contemplação.
Contemplação aliás que se faz um tema caro a Paul Goldberger,
que em seus escritos leva o leitor leigo em arquitetura a reconhecer a beleza
de edifícios,
seu legado na história e as boas intenções que
(nem sempre) geram bons resultados. Até porque, se de boas intenções o
inferno está cheio, algo que tanto ele quanto Souto de
Moura concordam é que também “a grande arquitetura sempre será uma
exceção” – mesmo que
não
seja lá
tão
prático
viver nela, como pode se revelar a Villa Savoye, construção
modernista de Le Corbusier e Pierre Jeanneret, com suas vidraças nada
discretas.
Numa de suas ponderações, Goldberger arremata: “a arte
tem de ser um suporte para a vida, e
também
é
fundamental haver um equilíbrio em
nossos julgamentos”, concluindo que até
Beethoven, se escutado repetidamente, pode acabar nos confundindo sobre sua relevância
para a civilização. Souto de Moura, por seu lado, aponta: se a
arte de maneira geral fala por si só, o mesmo deveria acontecer com as construções
arquitetônicas,
que não
necessariamente precisam ser carregadas de significados semióticos,
metafísicos
e, na maior parte das vezes, egóicos.
Uma pena, porém, que a obra de Goldberger – A Relevância da Arquitetura – parecia esgotada nas livrarias de Paraty. Este
sujeito de Nova Jersey e com sotaque pra lá de nova-iorquino tem de fato muito a dizer e
nos fazer refletir sobre algo que à primeira vista nos soa banal mas que se revela
literalmente relacionado ao chão que pisamos, para onde olhamos e o que
habitamos. A cereja do bolo, aliás, foi sua afirmação sobre Oscar Niemeyer: um arquiteto
fundamental ao modernismo brasileiro, mas incensado pelo próprio
nome e que ao fim da carreira se tornou um pastiche de si mesmo.