Por William Oliveira
Um inicialmente tímido e pouco
depois arrebatador Eduardo Coutinho surgiu na segunda mesa desta manhã de
sábado para um papo com Eduardo Escorel. Conhecido pelos premiados Cabra marcado para morrer, Edifício Master, Santo Forte, entre outros, e pela maneira peculiar como conduz suas
obras, o documentarista recebeu de Escorel não sem razão o título de um dos
cineastas brasileiros mais prolíficos dos últimos tempos. Apesar de se dizer
desconfortável diante de uma plateia, assumindo preferir estar sempre atrás das
câmeras investigando indivíduos e suas narrativas, Coutinho se revelou uma
figura acidamente engraçada como todo melancólico e fã de Walter Benjamin
consegue ser.
Mas foi seu procedimento de
filmar e de se colocar diante dos “personagens” de seus documentários o ponto
triunfante da conversa. Ao ser exibida uma cena de Peões, sua obra de 2004, logo depois de outra cena de Cabra marcado para morrer, de 1985,
Coutinho pôde contrabalançar sua postura de intervenção e não-intervenção
naquelas realidades que se propunha a documentar. Se no início da carreira o
silêncio de seus interlocutores quando entrevistados parecia incômodo e
desnecessário, agora mais do que nunca este elemento se fazia necessário – o
que ficou nitidamente demonstrado em trecho exibido de Peões, no qual 23 segundos de um aflitivo e ininterrupto silêncio
se apresentam entre Coutinho e um operário da indústria metalúrgica e deságuam
num desfecho iluminador e surpreendente.
“Eu sempre caía na tentação de
dar a mão a meus entrevistados quando os via sofrendo”, Coutinho observou. “Mas
eu precisava me conter, pois aquele era um momento doloroso em que o cara tá
reavaliando toda a sua vida, e no fim das contas ele vai sobreviver.”
Ainda sobre sua predileção por
figuras humanas, Coutinho deixou claro que ignora personalidades famosas por
saber que de algum modo elas estão sempre armadas e protegidas sob carapaças
sociais, enquanto figuras simples e anônimas são mais interessantes por não
terem muita coisa a perder. Caminhando cada vez mais para ambientes interiores,
como evidenciam seus últimos trabalhos como Jogo
de Cena e As canções, o
documentarista atestou sobretudo que forma e conteúdo parecem ter adquirido o
equilíbrio perfeito em seu trabalho, e o que mais lhe interessa é a riqueza do
sujeito humano – seja ele bom ou mau caráter e esteja este seu método
sustentado seja na originalidade ou no plágio.
Autodefinindo-se como um
“materialista mágico”, um misto de ascetismo com misticismo devoto de Nossa
Senhora de Guadalupe, Eduardo Coutinho no fim das contas resumiu muito bem
nossa dor e delícia de sermos o que somos.