Por Daniel Russell Ribas
Todo escritor, secretamente ou
não, se encontra dividido entre o reconhecimento de seu trabalho e a
necessidade de pagar as contas. Mesmo nomes consagrados, como Fernando Sabino e
João Ubaldo Ribeiro, assumiram que já escreveram obras cuja intenção principal
era ser um sucesso de vendas. Emissoras de televisão e agências de publicidade
empregam, além de dramaturgos e roteiristas, os serviços de autores de
literatura para colaborar em seus produtos.
Existe outro tipo de escritor
profissional. Trata-se de um profissional produtivo, cuja função mescla a
atividade jornalística com o dom do ficcionista. Ou seja, possui o cuidado
editorial do preparador de textos com o domínio da técnica narrativa de uma
autor literário. Ele transita entre assuntos variados e personagens diversos.
Não apresenta dificuldade alguma em encontrar suas obras espalhadas para
aqueles atentos. No entanto, o leitor não saberá quem é o real dono das
palavras pela capa ou a ficha catalográfica. Pois seus textos não lhe
pertencem. Estas são, em resumo, as atribulações do ghostwriter.
Uma figura cuja definição
misteriosa está implicada em seu título, o ghost, como é apelidado, é bastante
requisitado e apreciado. Sua função varia de acordo com as particularidades do
serviço. Normalmente utilizado em biografias, ele pode ser chamado para
escrever de orelhas de livro e cartas ao editor, a discursos e releases. Seu
trabalho pode ser pontual ou mais extenso, abrangendo desde revisão a
entrevistas e elaboração do texto.
Biografias costumam ser um terreno
usual para a contratação de ghostwriters, pois os personagens ou biografados do
livro, em muitas ocasiões, não possuem intimidade com a escrita. A editora da
linha não-ficção da Nova Fronteira, Cristiane Costa, exemplifica em “livros de
celebridades”. Mas há também outros casos. “Especialistas como médicos e
preparadores físicos também precisam de alguém para ajudá-los a ordenar suas
ideias.”, declara. Segundo Alvanísio Damasceno, professor de cursos nas áreas
de preparação de texto, o ghost é, em primeiro lugar, um repórter. A capacidade
de produção de uma síntese própria dos fatos, além da curiosidade inerente são
as justificativas para a afirmação. Além disso, Damasceno aponta outra
característica. “É preciso também ter acuidade para identificar a possível voz
da pessoa ou instituição que irá assinar a obra.” Costa, complementa: “O maior
erro do ghost é impor sua filosofia, seu estilo, seus valores.” Para ela, o que
é necessário para exercer este ofício é: “Basicamente apurar bem e escrever
bem.”
Embora não seja uma ghostwriter,
a escritora profissional Carla Mühlhaus possui uma ética profissional similar.
Co-autora das biografias Marília Carneiro no Camarim das Oito (com Marília
Carneiro) e A bela Menina do Cachorrinho (com Ana Karina de Montreuil), a
ex-jornalista se define como um escritora profissional, conforme reitera em seu
blog, Casa do Moinho (http://casadomoinho.blogspot.com): “O que quer dizer que
escrevo por encomenda, colocando no papel o que o meu contratante não
conseguiria fazer por conta própria, ao menos não num formato editorial.” Ao
contrário de um ghost, faz questão de ser creditada pelo serviço prestado.
Para Mühlhaus, em uma entrevista
cedida para uma monografia sobre ghostwriting, existem dois tipos de
contratantes do profissional para escrever o texto. Há aqueles que alegam pouco
tempo para se dedicar à escrita e acreditam que escrever é apenas uma questão
de ser alfabetizado. “Esses encomendam o serviço de criação de texto e depois
mexem em tudo, reformulam frases, mudam parágrafos inteiros e levam os pobres
dos escritores praticamente à loucura.” Já o outro tipo seriam mais
cooperativos e inteligentes, por delegar tarefas. “Quando não gostam de alguma
coisa indicam a insatisfação sem metralhar o texto, o que faz com que todo o
processo criativo (e coletivo) flua muito bem.”
A forma como o ghost se relaciona
com o cliente é determinante no andamento do livro. Cristiane Costa acredita
ser fundamental. “O biografado normalmente fica aliviado de não ter que
escrever.” A escolha do ghost reflete a preocupação do cliente pelo controle
sobre o resultado final. “Em geral, é o próprio biografado quem escolhe, ou
porque já conhece alguém ou após uma série de entrevistas”. Damasceno cita que
tipo de escritor é chamado para este trabalho: “Em geral são jornalistas
conhecidos que são convidados por personalidades ou por editoras para
escreverem os livros que podem ser do interesse dos leitores ou apenas das
personalidades que os encomendam”.
Damasceno elabora um outro
aspecto da relação do escritor anônimo com o cliente:
“O ghost, muitas vezes, se vê no
dilema de ter de satisfazer dois clientes com interesses opostos: o leitor e o
personagem. Sobretudo quando é o personagem que paga pelo trabalho do ghost. É
que o leitor que ter acesso ao máximo de informações, enquanto o personagem
tende a querer selecioná-las. Refiro-me, nesse caso, a trabalho biográficos.”
Outra fator é, por não assinar o
livro, o ghost recebe apenas pelo trabalho realizado. Mühlhaus revela a
diferença de compensação entre seu trabalho e o do escritor que fica
desconhecido. “Uma sou eu, “escritora de aluguel” que recebe crédito e às vezes
assina o livro com o autor em legítima co-autoria, com direito, inclusive, a
receber metade dos direitos autorais. Outro profissional é o ghostwriter, que
na verdade recebe para ficar quieto e jamais dizer que quem escreveu aquele
livro tão bem falado foi ele.” Já Damasceno enxerga outras possibilidades. “O
ghostwriter pode muito bem fazer o trabalho como investimento, ou seja, começar
a ganhar depois que o livro começa a vender.”, relata.
Segundo Costa, ao mesmo tempo em
que há demanda, não existe uma formação específica para esse profissional. Por
isso, uma das razões de tantos terem experiência com jornalismo. E aí surge o
lado mais perigoso da falta de reconhecimento. Afinal, se ele fez um bom
trabalho, ninguém deve saber. Como Mühlhaus relacionou quando inquirida sobre
como as dificuldades em fazer carreira num trabalho que não ser reconhecido: “O
que nos leva à questão do ovo e da galinha: como provar experiência, se ele não
pode mostrar nada que escreveu?” No caso, por ser incapacitado de montar um currículo
de trabalhos nesta área, ele apresentaria sua qualificação como autor. Para
Costa, alguns elementos determinam se o ghostwriter foi bem sucedido em sua
empreitada. “Se a relação com o biografado se manteve boa, se entregou tudo no
prazo, se seguiu o projeto original do livro pedido pelo editor, se o texto
ficou bem escrito e bem estruturado e se ele arrancou boas histórias do
biografado.”, enumera.
Os três creem que o leitor não
percebe o trabalho do ghostwriter. Somente os envolvidos ou pessoas da área
editorial notariam. “Acho que o público é indiferente ao trabalho do ghost. O
público costuma se interessar pelo tema ou pela celebridade que assina o livro
que não escreveu.”, comenta Damasceno. Por sua vez, Costa acha que o leitor não
entende bem. “Até porque existem vários tipos. Os que nem são tão ghosts assim
e assinam na capa, como o Claudio Tognololi no caso do livro do Lobão. Outros,
nas páginas internas. Outros, só nos créditos.”
Já Mühlhaus acha que a presença
do escritor é importante para valorizar a obra. No caso, ao referir ao autor
creditado pelo trabalho, “...contratar os serviços desse profissional é tornar
mais viável uma obra que, se fosse feita artesanalmente, talvez não tivesse
chance de ser comercializada”. Em outras palavras, o escritor de carne e osso
seria que sairia da fronteira entre o reconhecimento e a carreira. O crédito
sendo o passaporte.
Artigo publicado originalmentenarevista eletrônica Rapadura, ed. 3,setembro/outubro de 2011.
Daniel Russell Ribas nasceu em 1983. Criado no Rio de Janeiro e apaixonado por Copacabana. Formou-se em Jornalismo na PUC-Rio. Já escreveu roteiros e contos. Trabalha na Editora Oito e Meio e organiza uma antologia erótica para a editora Vermelho Marinho. É Fluminense.
Daniel Russell Ribas nasceu em 1983. Criado no Rio de Janeiro e apaixonado por Copacabana. Formou-se em Jornalismo na PUC-Rio. Já escreveu roteiros e contos. Trabalha na Editora Oito e Meio e organiza uma antologia erótica para a editora Vermelho Marinho. É Fluminense.