Por Rosangela Dias
Às vezes, à noite, cansada e com dor nas costas, pergunto-me
por que tenho uma editora e edito grande parte dos livros publicados por ela.
Afinal, não ganho (ainda) nem um tostão por isso, além de permanecer horas e
horas debruçada sobre o maldito computador (passamos a trabalhar muito mais com
o advento desse senhor), que manda na gente e possuiu vontade, desejo e
personalidade próprios.
Envolta em especulações freudianas supus: ser editora seria
uma maneira de compensar deficiências físicas? Afinal, sou baixinha, entre
outros defeitos estéticos. Seria editora por não saber escrever? Por não
possuir talento suficiente para ganhar os prêmios Nobel, Jabuti, Pulitzer, Portugal Telecom ou mesmo um
concurso mixuruca de grupo escolar. Seria eu uma pessoa extremamente invejosa e
daí, como forma de vingança, edito livros, isto é, determino, escolho que
livros podem ou não ser publicados pela Apicuri? Em uma roda de amigos que
escrevem ouvi de um autor, por sinal de excelente qualidade, esta confissão:
“Não vou à FLIP (Festa Literária Internacional de Parati) por um só motivo,
inveja! Inveja dos autores convidados”. Entretanto, digo àqueles que foram pela
Apicuri recusados que, se estão certos e confiantes de possuírem um bom texto,
insistam com outras editoras. A história da editoração está repleta de autores,
hoje mundialmente reconhecidos, que não conseguiram publicar um livro sequer em
vida. É o caso de Kafka, por exemplo.
Algumas vezes me aborreço. Há autores, poucos, felizmente,
que se julgam portadores das qualidades literárias semelhantes à de Proust
aliadas à capacidade de vendas de Paulo Coelho. Quando esse tipo de autor tem
um texto recusado pela Apicuri, certamente não recebo energias, digamos que
positivas, por parte deles. Ser editor seria colecionar desafetos? Mas não é
por isso que abri uma editora e tornei-me uma, mas sim pelo imenso e contínuo
amor às palavras, tramas e enredos. É pela capacidade que elas possuem de
explicar, transmitir, revelar, emocionar e, sobretudo, nos fazer pensar. São as
palavras, a capacidade que temos de transformar o som que produzimos em meio de
comunicação, que me mobiliza para ler os inúmeros textos enviados, infelizmente
não com a presteza que todo autor ansioso espera.
Penso que, talvez, o grande problema do editor aqui seria a
pouca familiaridade que temos com a leitura de forma geral. Li, certa vez, que
Kafka, novamente, lia seus escritos em voz alta para seus pares e amigos e,
pasmem, o objetivo de seus textos era fazer rir. A obrigatoriedade e o desejo
de aprender a ler e escrever tomaram forma no início do século XIX,
principalmente na França pós-revolução. O movimento operário europeu do final
do XIX reivindicava e criava associações para discutir filosofia, astronomia,
direitos sociais. Neste período, o Brasil possuía grande parte da população
escravizada, sem direitos nem cidadania. A abolição e a República não
conseguiram resolver esse impasse até hoje, basta ver a educação pública como
anda.
O que isto tem a ver com o trabalho do editor? No Brasil,
saber ler e escrever é de tal forma super valorizado que aquele que o faz com
alguma desenvoltura não admite reparos, sugestões ou críticas ao que escreve.
Não é o famoso “Você sabe com quem está falando?”, mas sim, o “Você sabe quem
está escrevendo? Eu! O autor, que domino esta habilidade como poucos no
Brasil!”. O conhecido “Vale o que está escrito”, os termos complexos dos
contratos jurídicos e as bulas de remédio, totalmente incompreensíveis para
quem não cursou, no último caso, por exemplo, até o quarto ano de medicina, não
seriam o reflexo dessa arrogância, não da escrita, mas de quem domina esta
habilidade, para com os desprovidos deste saber?
Entretanto, o domínio do chamado letramento, isto é, ser um
alfabetizado funcional – cerca de 27% da população brasileira – não o
transforma em escritor de qualidade nem imune a críticas que, acreditem,
inúmeras vezes, partindo de um bom editor e ou leitor transforma um escrito
razoável em um texto minimamente interessante.
Por isso, por favor, não atirem pedras no editor!