quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Palavras armadas


Por Daniella Gandra

Rico digitava sua tese de final de curso para comprovar o que já não era mais novidade para ele: as palavras expressas pela escrita, seja com a finalidade de trabalho ou por simples prazer, são sempre sobras da essência do ato de se escrever. Nunca são completas, mas gerais, como em um resumo, onde somente o referencial, comum a todos que lerão tal obra possa ser capaz de ser depreendido. Pois quase sempre a maioria que tem por hábito a leitura, e muitas vezes, o próprio autor costumam enquadrar as muitas observações, as muitas entrelinhas em um único e amplo sentido, dando margem a outras significações. Estas serão percebidas a partir do modo como o leitor encara a vida, e tudo o que a rodeia e o afeta.

Rico estava cansado, mas continuava incessantemente sua colaboração com o meio acadêmico, uma vez que sua tese seria publicada em periódicos da faculdade.

Não se sentia orgulhoso, tampouco ansioso por vê-la sendo lida e conhecida por algumas pessoas que lhe tinham ganhado o respeito. Mas se sentia desonesto, quase um leviano por não conseguir escrever dentro de suas intenções, e provar para todos que suas palavras habitavam espaços além daquele no qual estariam expressas por escrito.

Isso corroía seus pensamentos criativos; então, a cada dois minutos, chupava uma bala de café, ou caminhava pela sua sala, girando em torno da mesa onde se alocava o seu laptop, a sua engenharia que parecia imóvel quando a olhava de pé e, ao mesmo tempo, em pleno movimento, com nuances, quando a fazia ter algum sentido.

Para Rico, as palavras eram exatamente como o seu computador.  Ficavam ali, em sua mente, aguardando possíveis usos, na espera de serem aproveitadas. Mas ele tinha consciência de que a totalidade da sua ação de escrevê-las, mesmo que as encaixando com outras tantas, a fim de provocar maior convencimento de suas ideias ou embelezá-las simplesmente, não seriam suficientes para preencher os vazios seguidos de pontos, de vírgulas e eteceteras.

Chateava-se profundamente com essa falta de manejo que elas lhe cometiam, e que não o deixava encontrar formas de trazer à tona seus segredos.

Continuava quase que mecanicamente a escrevê-las, e pensava que por ser rico, talvez, elas se viam desnecessárias em suas empreitadas...

Daniella Gandra é professora e revisora de textos de língua portuguesa.
Escreve no coletivo http://www.tribunaescrita.blogspot.com