1. “A gestão no labirinto” foi, originalmente, uma dissertação de mestrado. Por que a escolha desse tema e o que trouxe de novo para a historiografia brasileira?
Pensei em estudar inicialmente a gestão do império português por uma razão muito simples. A maioria dos autores afirma recorrentemente que a Coroa fez isso ou aquilo; tomou essa ou aquela decisão. De alguma forma, isso me instigava a pensar: afinal, o que era essa Coroa? Como ela deliberava e governava seu Império? O que levava em conta quando decidia? Que importância tinham os conselhos palacianos? E, ao buscar respostas na historiografia, percebi que era possível ir além. Na verdade, poucos historiadores tinham se dedicado a estudar a dinâmica política da monarquia, por meio da análise de seus conselhos superiores, o Conselho de Estado, de Guerra, Fazenda e Ultramarino. Não se trata somente de analisar cada um dos conselhos, mas compreender suas relações. As conclusões não apenas reforçaram determinados aspectos que a historiografia mais recente tem enfatizado – a existência de uma monarquia polissinodal e a necessidade de utilização das perspectivas teóricas de império e de Antigo Regime nos Trópicos, por exemplo – mas também apontaram, dentre outras coisas, para a importância do Conselho Ultramarino na formulação da política portuguesa, o que é novo. Isso é importante para entendermos como Portugal geriu seu império, de que fazia parte o Brasil, afastando determinadas ideias clássicas advindas da “teoria da dependência” ou ainda a concepção recorrente de “Estado absolutista”, invalidadas pelos resultados da pesquisa.
2. Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional, e de que forma o mestrado e, agora, o doutorado, influenciaram e influenciam na sua carreira.
Concluí, primeiro, a graduação em Administração na Escola Naval, em 2004, e, logo depois, o bacharelado e a licenciatura em História, na UERJ, em 2006. Em seguida, fiz dois cursos de especialização em História, o de História do Brasil, na UFF, em 2009; e em História Militar Brasileira, na UNIRIO, em 2010. Isso me trouxe a oportunidade de conhecer a pesquisa de diversos historiadores do Rio de Janeiro. Fiz então o mestrado na UFRJ, concluído em 2010, sob a orientação do Prof. Dr. João Fragoso, a quem devo muito. As inquietações em torno dos modos de gestão da monarquia portuguesa foram fundamentais em toda essa trajetória, mas assumiram um caráter mais sistemático na pesquisa para o mestrado. O tema é tão importante para mim que, em larga medida, continua a ser aprofundado na pesquisa de doutorado iniciada em 2010.
3. Como chegou a este tema abordado no “A gestão do labirinto”?
Minha intenção inicial era compreender como se organizou o interesse português em torno da região do Rio da Prata, cujo domínio pertencia à Espanha. A meu ver, tal interesse era muito curioso porque se processava tanto na Bahia e no Rio de Janeiro, como em Lisboa. Havia uma circulação de informações que o viabilizava dessa forma e indicava uma maneira possível para se compreender as conexões do império português. Além disso, na documentação, o Prata normalmente aparecia vinculado a outras áreas do império, desde a Bahia e Rio de Janeiro, como citei, até Pernambuco e Angola. Também é relevante o fato de a discussão em torno do Prata aparecer não somente na documentação do Conselho Ultramarino, mas também nas consultas do Conselho de Guerra, de Estado, nos papéis de comerciantes, governadores, etc. Para entendê-la, portanto, pressupunha-se conhecer melhor a gestão da monarquia portuguesa. Uma gestão que, em face de sua complexidade, processava-se “no labirinto”. Em outras palavras, uma gestão que se desenrolava dentro de uma estrutura de Estado que comportava diversas instâncias decisórias, cada uma delas dotadas de autorregulação, configurando um processo decisório extremamente intrincado e não linear. Um Estado que nada tinha de “absolutista”. Para dar ainda mais calor à narrativa, escolhi uma conjuntura que era crítica para Portugal: a das guerras contra Espanha, decorrentes do fim da União Ibérica, e contra os holandeses, que esfacelavam o império português no ultramar.
4. Quais as dificuldades maiores para a pesquisa? E que pesquisa faz atualmente?
Refletir acerca dos processos de gestão de uma monarquia que é pluricontinental – conceito recentemente formulado pela historiografia para tratar da monarquia portuguesa – envolve uma série de variáveis, cujo controle é muito complexo. É preciso ponderar, por exemplo, a cultura política da época, pautada no catolicismo; a arquitetura de poder da Coroa, ou seja, os Conselhos por onde tramitava a documentação; as amizades e redes sociais dos conselheiros; o papel das elites locais na construção da política ultramarina, etc. Realmente, o conjunto de variáveis é expressivo, do que decorre também o exame de quantidade significativa de documentos. Atualmente, na pesquisa de doutorado, prossigo a análise da gestão da monarquia portuguesa. Contudo, busco não apenas extrapolar a questão em torno do Prata, abarcando o império de forma mais abrangente. Além disso, detenho-me mais nas redes sociais dos conselheiros da Coroa e nas formas como utilizavam os argumentos da cultura política da época para sustentar seus pareceres ao rei.
5. Qual interesse maior em publicar o livro? Quais as expectativas? Alguma coisa que queira acrescentar?
Minha intenção maior é divulgar as ideias desenvolvidas ao longo do livro, colocando-as, naturalmente, em debate. Um livro costuma reverberar muito mais do que uma dissertação. Assim, espero poder contribuir para elaboração de novos trabalhos, seja por meio das conclusões apresentadas, seja pela validação de certos conceitos teóricos. Em última análise, contribuir para a historiografia com novos debates e assuntos pouco explorados.
Marcello Loureiro é bacharel em administração (Escola Naval), bacharel e licenciado em história (UERJ), especialista em história do Brasil (UFF) e em história militar brasileira (Unirio), e mestre em História Social (UFRJ). Atualmente, é doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, editor da revista Navigator, publicação semestral da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, e sócio e pesquisador do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil. (http://lattes.cnpq.br/3108999053034006)