LOUREIRO, Marcello. A Gestão no Labirinto: circulação de informações no Império Ultramarino
Português, formação de interesses e construção da política lusa para o Prata
(1640-1705). Rio de Janeiro: Apicuri, 2012.
Em
2012, a Editora Apicuri traz ao público a obra A Gestão no Labirinto: Circulação de informações no Império Ultramarino
Português, formação de interesses e construção da política lusa para o Prata
(1640-1705), de autoria de Marcello José Gomes Loureiro, atualmente
doutorando em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Trata-se, originalmente, da dissertação de mestrado do autor, defendida dois
anos antes, na mesma Universidade. Como o título indica, o livro vasculha a
circulação de informações no Império luso e, a partir dos esforços de
portugueses em torno das questões platinas, aborda a formulação da política
portuguesa e seus intrincados processos decisórios correlatos.
A
orelha – de João Fragoso, da UFRJ, quem orientou a dissertação – e o prefácio –
de Nuno Gonçalo Monteiro, da Universidade de Lisboa – agregam ponderável
competência ao livro, situando-o de forma distinta na historiografia brasileira
e internacional. Marcello tem diversos agentes de interlocução, desde clássicos,
como Jaime Cortesão, Charles Boxer e
Luís Ferrand de Almeida, até as recentes produções historiográficas de São
Paulo, Rio de Janeiro e Portugal.
A
obra está dividida em quatro capítulos.
No
primeiro, intitulado “Pro Bono Communis”:
A Segunda Escolástica e a Monarquia Pluricontinental, Marcello examina
criticamente as transformações historiográficas acerca do poder régio e da
formação dos Estados Modernos. Demonstra como o rei dependia de elites para
governar e precisava ser capaz de se articular com elas. Por isso, apóia-se na
categoria “monarquia pluricontinental”. Além disso, defende que os valores da
época, que constituem a Segunda Escolástica, precisam ser inseridos na análise,
a fim de se fugir dos recorrentes anacronismos. Desenha então um panorama da
cultura política da época, bem como dos órgãos de gestão que assessoravam a
Coroa lusa nos processos decisórios.
O
segundo, Circunstâncias e Inserção da Bacia do Prata na Pauta política da
Coroa, apresenta a questão platina, mas não a partir do ponto de vista
tradicional, o econômico, já debatido por muitos, e consagrado nos trabalhos
clássicos de Alice Canabrava, Elena Studer e Zacarias Moutoukias. Marcello, sem
descurar dos aspectos econômicos circunjacentes, elege outro caminho para
discutir a importância do Rio da Prata: se debruça sobre a construção da
política portuguesa e a pretensão de direito luso sobre a região, fio condutor
de toda a obra.
“Tão exhausto de gente e de cabedal”: a
Restauração, a crise monetária e a gestão do Atlântico por cadeias de papel,
capítulo subsequente, e mais importante do livro, contribui para a compreensão
da crítica conjuntura europeia e ultramarina da década de 1640. Depois, livre de uma narrativa esquemática e
teleológica, o autor percorre a circulação das informações que davam liga ao
Império português, para deslindar a tessitura complexa de sua política
ultramarina. O ponto alto do capítulo, consolidado em diversas fontes, está
sintetizado na posição dos Conselhos Superiores da Coroa acerca de três
questões vitais ao Império: a reconquista de Angola, a invasão do Prata e a
retomada de Pernambuco. Fica claro como o Atlântico português era indissociável
em termos de política. Para além, está explícita também a importância do
Conselho Ultramarino na condução de soluções estratégicas nesse contexto de
crise.
No
último capítulo, A reconquista de Angola, a circulação de informações e os
novos rumos para a gestão do Atlântico, o autor se volta novamente para o
Prata, discute as opções da Coroa lusa em torno da manutenção ou abandono da
Colônia do Sacramento e, ainda, evidencia o esforço diplomático de Portugal,
mormente de membros de seu Conselho de Estado.
Ainda
que A Gestão no Labirinto nos leve,
direta ou indiretamente, a diversas questões, algumas merecem retenção especial
aqui. Primeiro, o livro inaugura uma perspectiva fundamental para análise do
Estado dinástico português no século XVII: a de que os Conselhos Superiores da
Coroa demandam exame de conjunto e relacional, não podendo ser compreendidos de
modo isolado. Isso redimensiona o papel do Conselho Ultramarino na
historiografia e a compreensão de como se fazia política para o Império
português. Em decorrência, demonstra como não se pode reduzir esse Império,
pluricontinental e plurioceânico, a certas categorias que fazem muito sentido
para os dias atuais, como “sistema colonial” ou “Estado Absolutista”, mas não
para aquela época. As páginas de Marcello Loureiro, pautadas em expressiva
documentação, mostram, ao contrário, como era complexo o funcionamento de uma
monarquia corporativa, jurisdicional e polissinodal.
[1] Mestre em História
Política pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (2011). Possui graduação em História pela Universidade Gama
Filho (2006), Pós-Graduação em História Militar Brasileira pela UNIRIO/IGHMB
(2007). Atualmente é pesquisador do Departamento de História da Diretoria do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha; Sócio Honorário do Instituto de
Geografia e História Militar do Brasil; membro do Conselho Editorial da revista
Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil e da Revista Eletrônica
Estratégia Brasileira de Defesa; professor colaborador do curso de
Pós-Graduação (lato sensu) em História Militar da UNIRIO/IGHMB e da UniSul
(EAD). Pesquisador Associado do Laboratório de Estudos das Diferenças e
Desigualdades Sociais e do Núcleo de Estudos e Pesquisa em História Militar
(NEHIM/IHGMB). Coordenador do Projeto "Ciclos de Estudos e Pesquisas em
História Militar" do NEPHIM/IGHMB.