quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Gestão no Labirinto: circulação de informações no Império Ultramarino Português, formação de interesses e construção da política lusa para o Prata (1640-1705)


LOUREIRO, Marcello. A Gestão no Labirinto: circulação de informações no Império Ultramarino Português, formação de interesses e construção da política lusa para o Prata (1640-1705). Rio de Janeiro: Apicuri, 2012.

Renato Restier[1]

Em 2012, a Editora Apicuri traz ao público a obra A Gestão no Labirinto: Circulação de informações no Império Ultramarino Português, formação de interesses e construção da política lusa para o Prata (1640-1705), de autoria de Marcello José Gomes Loureiro, atualmente doutorando em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se, originalmente, da dissertação de mestrado do autor, defendida dois anos antes, na mesma Universidade. Como o título indica, o livro vasculha a circulação de informações no Império luso e, a partir dos esforços de portugueses em torno das questões platinas, aborda a formulação da política portuguesa e seus intrincados processos decisórios correlatos.
A orelha – de João Fragoso, da UFRJ, quem orientou a dissertação – e o prefácio – de Nuno Gonçalo Monteiro, da Universidade de Lisboa – agregam ponderável competência ao livro, situando-o de forma distinta na historiografia brasileira e internacional. Marcello tem diversos agentes de interlocução, desde clássicos, como Jaime Cortesão, Charles Boxer  e Luís Ferrand de Almeida, até as recentes produções historiográficas de São Paulo, Rio de Janeiro e Portugal.
A obra está dividida em quatro capítulos.
No primeiro, intitulado “Pro Bono Communis”: A Segunda Escolástica e a Monarquia Pluricontinental, Marcello examina criticamente as transformações historiográficas acerca do poder régio e da formação dos Estados Modernos. Demonstra como o rei dependia de elites para governar e precisava ser capaz de se articular com elas. Por isso, apóia-se na categoria “monarquia pluricontinental”. Além disso, defende que os valores da época, que constituem a Segunda Escolástica, precisam ser inseridos na análise, a fim de se fugir dos recorrentes anacronismos. Desenha então um panorama da cultura política da época, bem como dos órgãos de gestão que assessoravam a Coroa lusa nos processos decisórios.  
O segundo, Circunstâncias e Inserção da Bacia do Prata na Pauta política da Coroa, apresenta a questão platina, mas não a partir do ponto de vista tradicional, o econômico, já debatido por muitos, e consagrado nos trabalhos clássicos de Alice Canabrava, Elena Studer e Zacarias Moutoukias. Marcello, sem descurar dos aspectos econômicos circunjacentes, elege outro caminho para discutir a importância do Rio da Prata: se debruça sobre a construção da política portuguesa e a pretensão de direito luso sobre a região, fio condutor de toda a obra.
 “Tão exhausto de gente e de cabedal”: a Restauração, a crise monetária e a gestão do Atlântico por cadeias de papel, capítulo subsequente, e mais importante do livro, contribui para a compreensão da crítica conjuntura europeia e ultramarina da década de 1640.  Depois, livre de uma narrativa esquemática e teleológica, o autor percorre a circulação das informações que davam liga ao Império português, para deslindar a tessitura complexa de sua política ultramarina. O ponto alto do capítulo, consolidado em diversas fontes, está sintetizado na posição dos Conselhos Superiores da Coroa acerca de três questões vitais ao Império: a reconquista de Angola, a invasão do Prata e a retomada de Pernambuco. Fica claro como o Atlântico português era indissociável em termos de política. Para além, está explícita também a importância do Conselho Ultramarino na condução de soluções estratégicas nesse contexto de crise.
No último capítulo, A reconquista de Angola, a circulação de informações e os novos rumos para a gestão do Atlântico, o autor se volta novamente para o Prata, discute as opções da Coroa lusa em torno da manutenção ou abandono da Colônia do Sacramento e, ainda, evidencia o esforço diplomático de Portugal, mormente de membros de seu Conselho de Estado.
Ainda que A Gestão no Labirinto nos leve, direta ou indiretamente, a diversas questões, algumas merecem retenção especial aqui. Primeiro, o livro inaugura uma perspectiva fundamental para análise do Estado dinástico português no século XVII: a de que os Conselhos Superiores da Coroa demandam exame de conjunto e relacional, não podendo ser compreendidos de modo isolado. Isso redimensiona o papel do Conselho Ultramarino na historiografia e a compreensão de como se fazia política para o Império português. Em decorrência, demonstra como não se pode reduzir esse Império, pluricontinental e plurioceânico, a certas categorias que fazem muito sentido para os dias atuais, como “sistema colonial” ou “Estado Absolutista”, mas não para aquela época. As páginas de Marcello Loureiro, pautadas em expressiva documentação, mostram, ao contrário, como era complexo o funcionamento de uma monarquia corporativa, jurisdicional e polissinodal.  


[1] Mestre em História Política pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Possui graduação em História pela Universidade Gama Filho (2006), Pós-Graduação em História Militar Brasileira pela UNIRIO/IGHMB (2007). Atualmente é pesquisador do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha; Sócio Honorário do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil; membro do Conselho Editorial da revista Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil e da Revista Eletrônica Estratégia Brasileira de Defesa; professor colaborador do curso de Pós-Graduação (lato sensu) em História Militar da UNIRIO/IGHMB e da UniSul (EAD). Pesquisador Associado do Laboratório de Estudos das Diferenças e Desigualdades Sociais e do Núcleo de Estudos e Pesquisa em História Militar (NEHIM/IHGMB). Coordenador do Projeto "Ciclos de Estudos e Pesquisas em História Militar" do NEPHIM/IGHMB.