Por Rosangela Dias
Javier Cercas e Gabriel Vásquez participaram da mesa da Flip
Ficção e História. Ao ler os
romances Soldados de Salamina de
Cercas e Os Informantes de Vargas,
descobri alguns pontos comuns entre eles. Os dois são escritores de língua
espanhola, o primeiro espanhol e o outro colombiano, mas vivem na Espanha. Os
dois narradores de ambos romances são jornalistas que desejam ser escritores e
que desconfiam e temem por sua própria capacidade de produzirem bons textos.
Vásquez recebe como uma bomba a crítica que o próprio pai faz ao seu livro na
resenha que escreve. Segundo ele o estilo do filho é “enjoativo e monótono” e
algumas vezes “peca pelo sentimentalismo”outras “por ser palavroso” e o livro é
construído por “lugares-comuns da sociologia”, enfim, “o conjunto é um
fracasso”. A resenha afasta pai e filho que voltam a se encontrar quando o
primeiro fica doente.
Cercas não fica atrás, também se sente desgostoso com sua
produção e após largar o emprego como jornalista para se tornar escritor
“amarga uma depressão espantosa” que o derruba “em um sofá diante do televisor
durante dois meses” por não conseguir terminar seus romances. O encontro entre
o narrador, que retoma o trabalho de jornalista e vai entrevistar o escritor
chileno, exemplifica as dúvidas sobre seu talento. Bolaño o reconhece, conta
que comprou os dois livros dele. O narrador faz piada “Ah, foi você?”, mas
Bolaño não se dá por vencido e brande “triunfalmente” os dois livros que
estavam usados, tinham sido realmente lidos. Cercas em entrevista conta que a
situação é imaginária, o encontro entre os dois não se deu assim.
Mas não só a dúvida explícita de seus narradores, quanto a
ser ou não ser bons escritores, que paira sobre eles, os aproxima. Como
confessado na mesa, Cercas e Javier produziram os romances citados preocupados
com o processo da escrita, da produção de um texto. Mais do que contar uma
história, o que fazem é narrar sobre a produção dela. Por isso ambos se expõe
no livro, Cercas se coloca como o narrador e Vásquez, ainda que não o faça de forma
explícita, batiza o narrador e o pai deste com o próprio nome. Ambos os
narradores perdem os pais, já adultos e a perda os afeta. Principalmente ao
narrador de Vásquez.
Tanto Cercas quanto Vásquez abordam temas do século XX que
se aproximam por estarem ligados a II Guerra Mundial. Cercas trata de
personagem da Revolução Espanhola, considerada pelos historiadores uma espécie
de tubo de ensaio para o ataque nazista. Militares e equipamento bélico alemães
fizeram parte do combate aos comunistas auxiliando os falangistas. Vásquez
escreve sobre a Colombia dos anos 80, mas seu enfoque se volta para a
perseguição aos alemães na Colômbia durante e no pós-guerra. Mas o que a trama
de ambos os romances busca são os afetos, as memórias, os ressentimentos
causados pelos eventos históricos, que não constam nos livros da disciplina. Em
pleno século XXI a crise das democracias liberais na Europa e suas
consequências mundiais, a segunda-guerra, a ditadura franquista, o holocausto e
a Guerra Fria entre outras, permanecem.
Entretanto, a semelhança maior entre eles, para além da
qualidade dos textos, é a proximidade com a chamada História do Tempo Presente
como a recuperação do uso de testemunhos para a escrita da realidade, bem como
o trato de temas ainda latentes e cujos traumas deles decorrentes, lhes são
contemporâneos, os afeta.
Ambos são escritores preocupados com o rumo de seus países e
seus textos não são livros de História, mas ambos dela fazem uso com
propriedade, requinte, inteligência e sensibilidade e indo além. Cercas, como
diz, usa “a ficção para iluminar as sombras da História” e Vásquez escreve em
seus textos o que os leitores “não encontrariam em nenhum outro lugar”. Ou
seja, criam outros mundos – Ficção - a partir da arte de inventar o passado –
História.