sábado, 7 de julho de 2012

Mesa: Apenas Literatura


Por Christiane Angelotti

“A literatura se dobra sobre si mesma, mas abre a conversa entre as pessoas.” Foi assim que Paulo Roberto Pires abriu a mediação da segunda mesa desta edição da Flip, na última quinta-feira, dia 5, falando sobre o que uniu o escritor catalão Enrique Vila-Matas e o escritor chileno Alejandro Zambra.

Como se dá o processo de criação de um escritor? O que ele lê o influencia? E a que ponto? Essas foram algumas das questões que nortearam a mesa,  considerada como uma boa surpresa e uma das melhores até então. Os autores deram um show de bom humor, simpatia e humildade, ao mesmo tempo em que demonstraram amarem o ofício da escrita, estudarem e respirarem literatura. Embora pareça óbvio, não são todos os escritores que são assim.

Vila-Matas e Zambra contaram um pouco de suas referências literárias e sobre a honestidade do escritor em admitir que dentro da literatura, nada é original e inédito, e sim baseado em várias obras, em todos os elementos da cultura, que o influenciaram para ser criada. “Há pessoas na Espanha que acreditam ser os primeiros. Aqui também. Não há memória cultural”, disse Vila-Matas sobre como cita o que já foi escrito para compor sua narrativa.

“Esqueci de trazer o livro para ler um trecho”, disse Vila-Matas, descontraindo a mesa que prometia ter um clima tenso pela fama do autor de não ter papas na língua. Após conseguir um exemplar de Ar de Dylan, recém-lançado no Brasil, leu um trecho que tenta explicar porque ele o classificou como “livro-rascunho”.

Alejandro Zambra arriscou o português para ler um trecho de seu livro Bonsai. Não satisfeito, voltou ao espanhol para continuar a leitura de seu romance. Afirmou que pensou primeiro no título e no conceito de um bonsai para escrevê-lo. “Não quero que o leitor se interesse apenas pelo final. Se você continua a ler sabendo do final, é porque outra coisa lhe interessa”, disse ele sobre a “honestidade” que buscou ao dar para o leitor o desfecho da história logo na primeira frase do romance.

Ainda sobre Bonsai, comentou que inicialmente desejava fazer dele um “livro-objeto”, que pudesse ser manuseado pelo leitor e interagisse com ele e não apenas com a própria história, uma tentativa de resgatar o caráter físico do livro que disse estar se perdendo com a leitura digital.

Vila-Matas afirmou que o planejamento e o processo de um livro é o que mais o instiga. Dessa forma abriu uma discussão sobre a arte inacabada, citando, inclusive, o cineasta François Truffaut. O escritor afirmou não se envergonhar de buscar a inspiração em autores que vieram antes dele, pois, na verdade, negá-los seria um crime. Zambra concordou com o colega de profissão, “a ideia de ser ajudado pelos mortos, aqueles que vieram antes, é importante para contribuir na obra de um novo escritor”, completou.

“Nós escrevemos depois dos outros (...), o que constrói um autor são também suas memórias”, completou Vila-Matas. E acrescentou que durante muito tempo de sua vida tentou se parecer com os outros, e que é um grande exercício escrever tendo suas memórias e influências sem perder a sua identidade.

Zambra citou uma frase do poeta português José Luis Peixoto, na qual acredita nortear sua escrita: “Cada vez que escrevemos invocamos os mortos”. Disse acreditar que isso seja a essência do escritor: contribuir para essa familiaridade sendo honesto consigo e com o leitor.

Vila-Matas completou dizendo que na literatura o diálogo com o outro é mais uma forma de compartilhar. A leitura iguala leitor e escritor. Questionado sobre o que move sua escrita, Zambra disse, entre outras coisas, que busca tentar entender o mundo, mas às vezes escreve para questionar e até para fugir de questões.

Uma mesa rica em ideias e com uma interação maravilhosa entre os autores.

Enrique Vila-Matas nasceu em Barcelona, na Espanha, em 1948. Considerado um “escritor de escritores”, sua ficção metalinguística abusa das referências à própria literatura. Publicado em mais de trinta países, é autor de A assassina ilustre (1977), Suicídios exemplares (1991), Paris não tem fim (2003), Doutor Pasavento (2006), Dublinesca (2010), Ar de Dylan (2012), entre outros.


Alejandro Zambra nasceu em Santiago, Chile, em 1975. Autor do premiado Bonsai (romance, 2006), Bahía inútil (poesia, 1998), Mudanza (poesia, 2008), La vida privada de lós árbores (romance, 2007) e Formas de volver a casa (romance, 2011).