Conflitos na TV digital brasileira, da jornalista e
professora do departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, Patrícia Maurício,
editado em parceira pelas editoras PUC-Rio e Apicuri, traz o registro e a análise
de um importante momento do processo de comunicação no Brasil: a implantação do
sistema de transmissão digital para a televisão aberta. O livro é fruto da tese de doutoramento da
autora, TV digital: conflitos no
nascimento de uma nova mídia no Brasil, defendida na Universidade Federal
do Rio de Janeiro, em março de 2011.
Anos de
pesquisas na área de telecomunicações e informática, alguns anos de negociações
entre o governo federal e os detentores de modelos digitais internacionais, que ensaiavam ficar
encobertos pelos interesses econômicos que regem o setor no país, estão
devidamente relatados na obra. Sem fazer rodeios, Patrícia apresenta ao leitor,
a partir de entrevistas, reportagens publicadas em jornais diários, assim como,
também, com a comprovação da ausência do assunto na mídia, uma janela para a
compreensão dos bastidores de uma disputa de “gigantes”.
O livro
está dividido em três capítulos. Nos dois primeiros, sempre ancorada por
teóricos contemporâneos, a autora resgata o percurso percorrido desde a criação
da tecnologia digital, passando pelo debate em torno da possibilidade de
democratização da comunicação com a chegada da nova mídia, a defesa dos
interesses das Organizações Globo e, ainda, a assinatura do segundo decreto que
estabelece o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre – SBTVD-T –, em
2006. Um documento que frustrou pesquisadores, que desenhavam um modelo
totalmente brasileiro, e representantes dos movimentos sociais que lutam pela
democratização da comunicação.
Ainda
nesta etapa do livro, paralelo ao relato cronológico de todo o processo de
implantação da TV Digital, Patrícia apresenta o inesperado: o fenômeno
internet. O crescimento acelerado do universo virtual roubou a cena e os
interesses na nova mídia. O descaso acabou por ser interessante para
fabricantes de equipamentos e, principalmente, para as emissoras de televisão comerciais,
que não queriam e não querem que a interatividade plena chegue à TV aberta.
Desde o início os detentores da radiodifusão no país, através de lobistas,
deixaram claro que ninguém poderia mexer no conteúdo produzido por eles.
“A
ausência de regulação para a TV digital no Brasil não deveria causar espanto.
Qualquer tentativa de regulação é classificada e desqualificada pelas
Organizações Globo como censura e/ou tentativa de cercear a liberdade de
expressão. Há inúmeros exemplos disso, como os ataques à tentativa de criar a
Ancinav e o Conselho Federal de Jornalismo.” (p. 156/157)
Na última
parte da obra, no terceiro capítulo e em sua conclusão, Patrícia defende a tese
de que a implantação do padrão digital de televisão no Brasil é quase um remake dos primórdios da radiodifusão no
país. Com autoridade e conhecimento sobre assunto, a professora de
radiojornalismo e comunicação audiovisual remonta o processo de implantação do
rádio no Brasil por Roquette-Pinto e todos os conflitos em torno da sustentação
financeira do novo veículo. Uma dinâmica que comprometeu o objetivo de alguns
de fazer do novo veículo um importante instrumento de educação e cultura.
“Os
defensores do financiamento pela publicidade acabaram vencendo em 1932, quando
o então presidente da República, Getúlio Vargas, autorizou a publicidade no
rádio. No início do rádio existiam pessoas e empresas que viam o veículo como
oportunidade de negócios e de lucro, enquanto outras o enxergavam como
oportunidade de levar cultura à população. Podemos dizer que aparecia naquele
momento, como na fase de implantação da TV digital, uma luta entre pessoas que
defendiam o interesse público versus as que defendiam o interesse do mercado,
mesmo com as diferenças de cada época.” (2012, p. 169)
A pesquisa apresentada em Conflitos na TV digital brasileira
registrou o nascimento e o fim precoce do sonho de democratização das
comunicações com a TV Digital, sua multiplicação do número de canais e
interatividade. Acabou por torná-la, como bem denominou a autora, uma “mídia
natimorta”. Tudo porque ao fim da batalha venceu mais uma vez o plano de
negócios que sustenta as TVs no Brasil desde 1950: a venda de comerciais. A
interatividade nas mãos do telespectador, que um dia sonhou em produzir o seu
“cardápio de programas” para ser assistido à hora que quiser, derruba esta
dinâmica. Sendo assim, lhe resta uma TV de high
definition e com uma interatividade praticamente inativa.
Patrícia Maurício nos deu uma
excelente referência bibliográfica para os cursos de comunicação, acostumados a
ter que trabalhar com a história dos veículos de audiovisual contada pelos
detentores do monopólio da radiodifusão brasileira. Fica o pedido e o desejo
que ela continue atenta aos processos de comunicação no país e seus interesses
sempre conflitantes.
Lilian
Saback – Jornalista. Professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio. Pesquisadora
do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC/UFRJ).