O livro é o resultado da minha tese de doutorado,
defendida em 2008. Comecei a me interessar pela historiografia já durante os
tempos da graduação, quando percebi que só conseguiria compreender o passado
através de uma reflexão mais aprofundada sobre por que e por quem ele foi
registrado, escrito e, portanto, fixado de determinadas maneiras. Por isso,
durante meu mestrado estudei a percepção do tempo em Tácito: haveria uma ideia
de ciclo, de retomada de um passado idealmente virtuoso em algum momento na
história de Roma, ou uma decadência inexorável desde os tempos primordiais da
República? E qual seria o motor dessa "decadência"? No doutorado,
resolvi pensar nessas questões através de um recorte mais amplo, comparando
Tito Lívio e Tácito, unidos pelas mesmas regras da tradição literária, mas
revelando muitas diferenças entre si. O resultado acabou se tornado uma
reflexão mais ampla sobre suas percepções do mundo romano, e, em última
instância, sobre minha própria percepção dele.
2. Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória
profissional, e de que forma ocorreu o processo de organização desta obra.
Sou de São Paulo, fiz da graduação até o pós-doutorado
na USP, orientada pelo professor Norberto Luiz Guarinello. Herdei dele a
coragem - ousadia? - de pensar para além das escolas tradicionais de
interpretação, repensar paradigmas estabelecidos e procurar uma visão mais
ampla do processo de produzir conhecimento em História, em especial sobre o
mundo antigo e nossa relação com ele. Mas também me pautei por uma reflexão que
o prof. Pedro Paulo Abreu Funari me colocou durante meu mestrado: para quem
estou escrevendo, com quem meu texto dialoga? Não quis ficar apenas no mundo
hermético dos especialistas, até porque são tão poucos aqui no Brasil. Pensando
nisso, procurei também uma forma mais fluente no texto, cuidando para que meu
diálogo fosse amplo e acessível.
3. Quais as dificuldades maiores para a pesquisa no
país? E de que forma esta se desenvolve atualmente na área?
Vejo nossas dificuldades em estudar História Antiga
com otimismo. Até o fim do século XX, o acesso à maior parte da bibliografia
especializada só era possível viajando-se para as bibliotecas da Europa e da
América do Norte. Encontra-se hoje quase de tudo na internet - de artigos e
livros a fontes primárias dos mais variados tipos (textos, imagens, etc). Além
disso, no Brasil não fazemos História Antiga como se fosse o início de nossa
história nacional, como os ingleses, franceses ou alemães. Isso nos deixa
livres para dialogar com uma vasta gama de abordagens diferentes. Ou seja, há
um aspecto positivo em termos tão pouca tradição na área em comparação com o
Velho Mundo. Somado a isso, mesmo com a nossa tenra atividade, temos já um
grupo bastante expressivo de historiadores brasileiros produzindo conhecimento
em História Antiga e dialogando em pé de igualdade com os europeus. Se a área
existe há, diga-se, 500 anos lá e nem 50 aqui, concluo que estamos indo muito
bem!
4. Qual interesse maior em publicar o livro? Quais as
expectativas?
O alcance de um livro é evidentemente muito maior do
que o de um trabalho acadêmico restrito. Acredito que o conhecimento produzido
na academia precisa ser compartilhado, para que não se engesse e possa fazer
parte da constante reflexão sobre a humanidade que a História proporciona. Em
particular, este ainda é um dos poucos livros sobre historiografia antiga
publicados em Português. Espero que surjam muitos mais, porque o Brasil tem um
grupo de pensadores jovens muito atuantes nas áreas de Historiografia e Teoria
da História, e creio que teremos nos próximos anos uma produção muito rica e
estimulante. Espero que meu trabalho possa contribuir na construção disso.
5. Alguma coisa que queira acrescentar? Há novos
projetos de pesquisa atualmente?
Tenho refletido muito sobre as mudanças de nosso
tempo. Os parâmetros de hoje são muito diferentes dos de quinze, vinte anos
atrás, devido à convergência social que a tecnologia proporcionou. Ainda não
sabemos bem o que isso significa, e, em particular, creio que isso mudará nossa
percepção de qual é o significado que um mundo tão antigo e distante tem para
nós. Mas isso não significa descartar os antigos, muito pelo contrário: nunca
antes precisamos refletir de maneira tão intensa e premente sobre as diferenças
e semelhanças entre as sociedades - e em como conviver com isso. Tenho um
projeto paralelo que vem me entusiasmando muito, em que trabalho a Wikipédia
com os alunos. Eles aprendem a ler a enciclopédia de maneira crítica,
discernindo a confiabilidade ou não das informações, e a editar os artigos,
melhorando sua qualidade. Assim, treinando suas habilidades de escrita e
pesquisa, eles também contribuem para compartilhar o que aprendem na
universidade, em um ambiente livre, gratuito e colaborativo. É um grande
desafio, pois é uma metodologia de ensino totalmente nova, mas os resultados
têm sido empolgantes!