Por William Oliveira
“Ó
mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!”
Fossem as poetas da mesa O dia a dia debaixo d’água adeptas da métrica e rima, muito provavelmente a
citação do verso de Fernando Pessoa não seria descabida. Afinal, a imagem de
disforme e por vezes implacável que o mar evoca na literatura parece bastante
presente na maneira como Alice Sant’Anna, Ana Martins Marques e Bruna Beber
lidam com a linguagem e com a procura de sentido do fazer poético. “Fazer poesia
é tentar transformar um tropeço em passo de dança”, disse Alice a certa altura,
provocando olhares de aprovação da plateia.
Além do fato de serem jovens, em
comum entre as três há o fato de terem tido uma vida de certo modo distante de
qualquer orla oceânica. Nascida em Belo Horizonte, Ana Martins Marques pareceu
a síntese desta afirmação – como “qualquer” mineiro, invariavelmente enxerga na
imensidão marítima uma vasta gama de possibilidades para a reflexão.
Mediada pela professora Noemi
Jaffe, a mesa teve seu auge no elogio à simplicidade que as três poetas
demonstraram ao ler seus poemas em verso livre com grande desenvoltura e
precoce maturidade. Bruna Beber, por exemplo, com seu picolé de limão,
e do alto de seus 29 anos de idade, não poderia ter sido mais sagaz e
bem-humorada. Seus versos curtos e cortados na base da foice resumem talvez
qualquer trajetória existencial de um sujeito comum e podem até nos poupar de
qualquer ida a um divã psicanalítico em busca da tão sonhada cura.
picolé de limão
pensando
rápido
a
vida é desgraçada
–
o primeiro rádio
ganhei
no bicho
meu
primeiro amor
achei
no lixo
o primeiro
tiro
levei
no bingo
meu
melhor amigo
conheci
na cadeia
a primeira
ambição
um
palito premiado –
pensando
lento
que
graça