Por Rosangela Dias
Matéria no Segundo Caderno de O GLOBO de 6 fev. 2012, sobre
projeto Motor, lançado pela editora Imã,
http://oglobo.globo.com/cultura/editora-cria-selo-para-autores-jovens-com-livros-sob-demanda-3902946,
chamou minha atenção. O projeto busca fechar a conta do mercado editorial, onde
“há mais oferta do que demanda”. A ideia, entretanto, não parece ser a
diminuição da oferta e, sim aumentá-la, já que novos autores serão lançados.
Motor se destina a autores novos, difíceis de serem publicados pelas editoras.
Os livros sairão em versão e-book e impressa com tiragem pequena, cinquenta
exemplares apenas, simultaneamente.
No decorrer da matéria mais explicações do projeto vieram.
Como sou editora, fiquei curiosa em relação a alguns pontos. Por exemplo, para
fechar a conta a fórmula do Projeto visa a permitir, teoricamente, descartar
“gastos editoriais”. Pergunto: a conversão para e-book não seria um gasto
editorial? E, antes disso, revisão, diagramação, projeto gráfico, capista, não
seriam “gastos editoriais”? Se o texto será impresso, isso deverá ser feito e
terá um custo. Quantos exemplares precisarão ser vendidos para pagar os custos
e, depois, ser lucrativa a empreitada?
A proposta é que sejam impressos 50 exemplares, e as
livrarias receberiam um exemplar apenas. Isso seria suficiente para a livraria
se interessar pela venda do livro? Onde colocariam esse exemplar? Talvez nem
registrem o livro, já que a venda do mesmo implica em retirá-lo do estoque.
Caso alguém procure o livro na livraria, exemplar único já vendido, como deve
proceder o comprador? A livraria se encarregaria de pedir o livro? Ou o leitor
entra na Internet e o adquire?
Penso que o problema maior das editoras é a ausência de
público leitor. A matéria chama a atenção para esse fato ao afirmar: “As
pessoas não consomem tantos livros assim”. O Brasil possui somente 30% da
população de alfabetizados funcionais. Ainda assim, o número de leitores em
potencial é grande. Nem sempre fui editora, talvez para quem sempre tenha
vivido no meio não conheça a dimensão desta ausência de leitores, inclusive e,
talvez, sobretudo de literatura, no Brasil. Fui professora do ensino
fundamental e depois professora universitária, e meus colegas de profissão, em
ambas as esferas, só liam textos ligados ao ensino no sentido (r)estrito. Isto
quando liam. Só conheci uma professora, em toda minha trajetória de 20 anos e
várias instituições de ensino, que apreciava e consumia literatura. Perguntava
a meus pares se conheciam Milton Hatoum, Cristóvão Tezza, Luiz Ruffato e nada,
sem a menor ideia de quem se tratavam. Isto no Rio de Janeiro e no meio
universitário. Imagine fora de um grande centro e em um meio em que a
alfabetização funcional não tenha sido completada.
O livro Ágape, do
padre Marcelo Rossi, ultrapassou os 3 milhões de livros vendidos. Não, não
pretendo editar o padre Marcelo, só quero mostrar que, há um público leitor em
potencial, se este aumentasse o leque de suas escolhas, teríamos mais
consumidores de literatura, de todo o tipo de literatura. Acredito que nos
falta pluralidade, não há um incentivo para o consumo de livros fora de sua
área de atuação profissional, ainda não sei o porquê, mas isto é outro assunto.
Entretanto, o que achei mais interessante no projeto Motor
foi que, percebi certa semelhança com a famosa Geração Mimeógrafo dos anos
1970. Futuquei no Google algo a respeito da mesma e deparei-me com artigo do
século passado, mais precisamente de novembro de 79, escrito por Nicolas Behr, http://www.nicolasbehr.com.br/pageracaomim.htm.
Neste há duas ideias próximas ao que é proposto pelo projeto Motor. Uma delas é
que tanto a Geração Mimeógrafo quanto o Projeto Motor propõem o autor como selfpublishing, ainda que a primeira não
utilizasse este tipo de termo. O autor devia ir “pelo desvio” e burlar “todo o
esquema editorial montado em cima do livro”, diz o artigo de Behr. Não seria
ideia parente, quase irmã do Projeto Motor, para quem o termo estrangeiro seria
“uma espécie de via do meio [...] em que o autor consegue imprimir seu livro,
sem a necessidade de um editor”.
Mais interessante ainda é a segunda ideia parelha. A Geração
mimeógrafo já pensava em um texto em constante mutação e produção. “Quando se
edita um livro em mimeógrafo o autor tem condições de manter seu trabalho vivo,
pois pode modificar seu livro a cada edição”, coloca o artigo de Behr. Tal é a
proposta do Projeto Imã, agora por meio do cyber espaço e não com álcool e
mecânica, ao colocar “o leitor tendo o direito ao “upgrade” da obra – com a tiragem
reduzida e a consequente facilidade de reimpressões, o livro será
constantemente revisto pelo autor e por revisores”. O publisher, responsável pelo Projeto, arremata que no “balão de
ensaio do selo Motor, o livro é uma obra viva e em constante transformação”.
Continuo achando que o nosso problema é o reduzido e nada
plural público leitor. Não adianta autores fazerem malabarismos em busca do
leitor perdido. Talvez ele nem exista, ainda está em processo de produção,
processo dificultado pelo baixo nível educacional e pelo pouco incentivo à
leitura.