quarta-feira, 21 de março de 2012

Festa


Por Rosangela Dias

Era a primeira vez que íamos a uma festa juntos. Já estávamos namorando há mais ou menos 3 meses, mas só tínhamos ido a cinemas, jantares em casa de amigos meus e algumas exposições, coisas assim. Considerava este o momento solene, quando iríamos ser vistos como casal consolidado em festa na casa de amigos dele. Talvez lá eu encontrasse conhecido comum, algum ex namorado e/ou desafetos e é sempre bom ter homem ao lado. O mundo é pequeno (às vezes) e a cidade não tão grande assim.

Nos conhecemos em um antiquário do centro. Nem gosto muito deste tipo de loja, mas fui acompanhando amiga que dizia ser bom lugar para encontrar homens sozinhos, com dinheiro e disponíveis. Lá estava mais por amizade do que por crença no que ela afirmava. Olhava distraidamente os objetos amontoados em ordem e com arrumação totalmente desconhecidas por mim, quando ouvi alguém perguntando às minhas costas: “Você também gosta de jogos de café para bodas de prata?” Aí percebi o jogo de xícaras brancas com bordas de prata, bastante graciosas, em cima de uma mesa escura. Voltei meu rosto em direção a voz e o vi, sorri sem graça e nem me lembro do que falei ou se o fiz.

Nada nele chamou minha atenção, não muito alto, uns 45 anos, meio gordinho. Diante do meu silêncio, ou quase, ele insistiu, “Você sempre vem aqui? Também gosta de antiguidades?” Dei-me conta de que era preciso responder nem que fosse por educação. Disse-lhe que não conhecia muito sobre antiguidades, mas gostara da loja e que, na verdade, estava acompanhando uma amiga. “Qual?” Ele perguntou. Dei uma olhada ao redor e vi que a mesma tinha sumido em meio aos quadros, lustres, santos, louças, móveis e luminárias. “Ih. Cadê ela?” E comecei a rir nervosamente. Foi a deixa, Henrique, é este seu nome, apresentou-se e convidou-me para tomar um café em cafeteria próxima até minha amiga voltar sabe Deus de onde. Fomos.

Contou-me que era professor de inglês e que gostava de xícaras de café, fazia coleção e tinha para mais de 100 de vários países e tipos. Sempre ia naquele antiquário porque dava sorte. Foi lá que conheceu o corretor que lhe vendera seu apartamento, ainda na planta. Interessante, interessante mesmo não o achei mas... ele era agradável e depois de certa idade não dá para ser muita seletiva. Daí fiquei ali escutando. Minha amiga não voltou e Henrique acompanhou-me até em casa e marcamos de nos reencontrar. Não lhe contei sobre o caso recém rompido, a morte da cachorra, as desavenças familiares, a faculdade de letras interrompida e minhas dificuldades financeiras. Mas ele falou do método de ensino de inglês que estava criando, do apartamento que acabara de comprar, da família numerosa que vivia em outra cidade. Eu ouvi.

Continuamos nos encontrando, fomos para a cama e ele sempre empolgado com seu método de inglês, agora quase transformado em livro com dois volumes: um caderno de gramática e um de exercícios. Levou-me para conhecer o apartamento sendo construído em bairro longe do centro e meio deserto, mas com futuro promissor, segundo ele; “Várias pessoas de nível estão se mudando para cá.” Henrique comentou circunspecto, apontando o andar do apartamento em frente ao esqueleto cinza e falando em voz alta para abafar o som das britadeiras e do misturador de concreto. A sua família agora estava bem. O pai fizera um AVC, mas se recuperava de forma surpreendente, dissera o médico. Continuei sem falar de como era difícil viver com dinheiro contado, da alegria que me dava ir à praia durante a semana. De como eu desejava voltar a estudar e de como era difícil eu fazer algo do qual minha mãe se orgulhasse.

Mas hoje havia uma festa em casa de amigos dele e nós iríamos juntos. Henrique ficou de me pegar às nove da noite em casa. Arrumei-me toda, fiz cabelos, unhas, arranjei dinheiro emprestado e comprei vestido novo florido. Às nove em ponto (pontualidade é seu forte), ele chegou. Fomos. A festa era numa casa grande em bairro cheio de árvores e casarões. Perguntei-lhe o motivo da festa; ”Não há razão específica para a festa, entende? São colegas do curso em que trabalho que resolveram comemorar a vida, todos estarem empregados e progredindo na vida, coisas assim.” “Ah!” Respondi.

Entramos no salão da festa e olhei em volta. Havia muita luz para uma festa, mas ainda era cedo, nove e meia. À direita, encostada na parede, uma mesa com pães a metro. “Marisa! Marisa!” Ele gritou. Uma moça alta de unhas vermelhas, cabelos negros, curtos e lisos, de copo na mão e sorriso de rosto inteiro veio até nós dançando e dançando continuou. Pensei que ele fosse apresentar-me a moça, mas não o fez. Ela começou a chamá-lo com os dedos para o meio da pista de dança e lá foi o Henrique. Fiquei ali sem entender nada. Ao redor desconhecidos comendo e olhando na pista Marisa e Henrique em dança furiosa algo dos anos disco bem no meio de um salão ainda vazio em início de comemoração sem razão nem porquê. O que eu faço agora? Pensei. Resolvi ir ao banheiro. A festa ainda estava a caminho, mas já havia fila no banheiro feminino indicado por setas a partir do salão. Duas moças conversavam em voz baixa. O banheiro vagou e elas me cederam a vez. Havia um espelho grande lá dentro e eu me achei tão feia, pequena, sem graça. Lembrei-me dos conselhos de mamãe “Nunca se pinte, a gente não tem culpa da cara que tem, mas tem culpa da pintura que coloca.”, ”Só ande com moças mais feias que você. Comparações podem ser fatais.”

Saí do banheiro e eles continuavam dançando freneticamente. Ela rodopiava e avançava em sua direção. Ele parado como um porteur da melhor qualidade, ora se aventurando em passos relativamente elaborados. Uma meia roda ao redor deles havia se formado incentivando-os. As musicas se sucediam e todas, impreterivelmente, eles dançavam. Decidi ir embora, amanhã era dia de feira, precisava acordar cedo.

Saí da festa de forma lenta, desci as escadas da casa na esperança de que Henrique viesse atrás de mim. Na porta, um taxi chegava trazendo convidados. Pedi ao taxista para me levar até algum ponto de ônibus próximo. “Ih, brigou com o namorado, já sei! Os homens de hoje em dia não valem nada!” E engatou uma história comprida da qual não lembro.

Os dias se passaram e o telefonema, o e-mail, um cartão ou um bilhete de Henrique não chegaram. Triste? Não sei se fiquei.

Hoje na porta havia um ramo de flores e dois envelopes. Um grande em papel linho sem remetente. Dentro, os dizeres:

Sr. Avelino Souza dos Santos (in memorian) e Sra. Tereza Souza dos Santos & Sr. Victor Gdansk e Sra. Aurélia Gdansk 
convidam para o enlace matrimonial de seus filhos

Henrique & Marisa a realizar-se no dia blá, blá, blá...

No envelope menor o remetente era o noivo.

“Desculpe-me pelo que aconteceu na festa. Foi mais forte que eu. Espero que vá ao meu casamento, de coração.

Meu livro já está no prelo, logo você receberá o convite de lançamento. O apartamento fica pronto mês que vem, vendi a coleção de xícaras para terminar de pagá-lo. Meu pai faleceu no dia seguinte à festa e você foi muito importante para mim.

Beijos, Henrique.”