Por
Rosangela Dias
Fantástico o artigo
de Nuno Ramos, “Depois do 4X0”, publicado pela Piauí de março/2012. Como
gosto muito de esportes, e futebol em particular, fico sempre feliz quando
cabeças pensantes conjugadas a corpos atuantes, caso do Nuno, tratam deste
tema. Nuno é artista plástico, escritor e, sobretudo, um pensador. E futebol é
coisa séria. Os valores astronômicos, as paixões que o envolvem e, especialmente,
a importância cultural que ele possui, o tornam assunto relevante.
Nuno faz uma reflexão
imperdível, mesmo e principalmente para quem não gosta de futebol, sobre o
famigerado jogo Barcelona X Santos ocorrido no final do ano passado. “É preciso
situar este jogo como um trauma”, ele nos diz, “um sinal de que alguma coisa
estranha está acontecendo com o futebol brasileiro.” A ausência de uma “safra
especial de jogadores”, bem como “uma crise de interpretação, de cultura
futebolística propriamente” exemplificada pela “má-fé das transmissões da Rede
Globo” em que predomina um nacionalismo tacanho (isto sou eu que escrevo) e pela
baixa qualidade do “bate-bola imediato nas transmissões, na imprensa escrita e
nos longos programas televisivos” seriam as “duas crises simultâneas” apontadas
por Nuno. Deve-se ressaltar que Nuno livra a cara de Tostão, ex-jogador e atual
comentarista, “exceção, com sua observação da totalidade do jogo, pedaço a
pedaço”.
Para melhor
explicitar a crise em nosso futebol, Nuno empreende uma jornada pelas nossas
participações em Copas do Mundo, historicizando-as de forma admirável. E faz
isso aproximando futebol e cultura, e a capacidade do primeiro e das Copas do
Mundo, que ganhamos e perdemos, revelar quem somos, revelar o Brasil. E nisto o
texto é maravilhoso. Nuno utiliza e cita autores nacionais e estrangeiros que
pensam o futebol e o esporte para além (e dentro também) das quatro linhas,
como o alemão, professor de literatura de Stanford, Hans Ulrich Gumbrecht e o
novaiorquino (Nova Yorque está para além dos E.U.A.) Stephen Jay Gould
(1941-2002), que foi professor de zoologia em Harvard. Entre os nacionais, o
incontornável e fabuloso Nelson Rodrigues e José Wisnik, entre outros.
Mas o que muito me
chamou a atenção no artigo é o tratamento que Nuno dispensa aos protagonistas
nacionais do nosso futebol. Pelé, Garrincha, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho,
entre outros, são citados e o “estar no mundo” desses esportistas ganha
contornos de drama e comédia, de tragédia enfim. Nuno, ao considerar “horrível
e até cafona essa imagem habilidosa e alegre de nosso futebol”, promove uma
desconstrução inteligente, perspicaz e polêmica do esporte mais popular do
Brasil.
Segundo Nuno Pelé foi
“grosso e craque ao mesmo tempo”, “dono de um primor técnico em todos os
fundamentos do futebol”, mas capaz de usar “a canela e a botinada” como “deuses
gregos quase faunos”. Nuno não vê alegria em seu jogo, mas “potência e fúria.”
E aí fica impossível não lembrar a frase histórica do técnico de futebol Neném
Prancha (1906-1976): “Jogador de futebol tem que ir na bola com a mesma
disposição com quem vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar.” A definição de Nuno não retira Pelé do
Olimpo, mas o aproxima dos deuses gregos, não por sua deificação, mas por sua
concretude e similitude com os mortais.
Garrincha é visto
como “barroco e minimalista”, eficácia aliada a dispersão. Ronaldo é um “Pelé
especializado”, unindo “potência física e técnica”. Forte a maneira como Nuno
resgata Rivaldo, cuja sina precisaria de “um grande, mas grande poeta” para ser
cantada. Rivaldo é nosso craque “menos amado. Mal humorado, magro, feio e pouco
expressivo”. Ronaldo Gaúcho é “a grande esfinge do futebol brasileiro
contemporâneo, que vem nos devorando porque nunca a deciframos.”
E assim prossegue a
desconstrução e a reflexão de Nuno Ramos, misturando Tom Jobim, Youtube,
casa-grande e senzala, Galvão Bueno, Gaudí e Le Corbisier, entre outros, para
dar conta da crise futebolística nacional.
Mais não escrevo
porque o objetivo desta mistura de resenha e artigo é levá-los a ler Nuno
Ramos.