terça-feira, 27 de março de 2012

Para quem não gosta de futebol


Por Rosangela Dias

Fantástico o artigo de Nuno Ramos, “Depois do 4X0”, publicado pela Piauí de março/2012. Como gosto muito de esportes, e futebol em particular, fico sempre feliz quando cabeças pensantes conjugadas a corpos atuantes, caso do Nuno, tratam deste tema. Nuno é artista plástico, escritor e, sobretudo, um pensador. E futebol é coisa séria. Os valores astronômicos, as paixões que o envolvem e, especialmente, a importância cultural que ele possui, o tornam assunto relevante.

Nuno faz uma reflexão imperdível, mesmo e principalmente para quem não gosta de futebol, sobre o famigerado jogo Barcelona X Santos ocorrido no final do ano passado. “É preciso situar este jogo como um trauma”, ele nos diz, “um sinal de que alguma coisa estranha está acontecendo com o futebol brasileiro.” A ausência de uma “safra especial de jogadores”, bem como “uma crise de interpretação, de cultura futebolística propriamente” exemplificada pela “má-fé das transmissões da Rede Globo” em que predomina um nacionalismo tacanho (isto sou eu que escrevo) e pela baixa qualidade do “bate-bola imediato nas transmissões, na imprensa escrita e nos longos programas televisivos” seriam as “duas crises simultâneas” apontadas por Nuno. Deve-se ressaltar que Nuno livra a cara de Tostão, ex-jogador e atual comentarista, “exceção, com sua observação da totalidade do jogo, pedaço a pedaço”.

Para melhor explicitar a crise em nosso futebol, Nuno empreende uma jornada pelas nossas participações em Copas do Mundo, historicizando-as de forma admirável. E faz isso aproximando futebol e cultura, e a capacidade do primeiro e das Copas do Mundo, que ganhamos e perdemos, revelar quem somos, revelar o Brasil. E nisto o texto é maravilhoso. Nuno utiliza e cita autores nacionais e estrangeiros que pensam o futebol e o esporte para além (e dentro também) das quatro linhas, como o alemão, professor de literatura de Stanford, Hans Ulrich Gumbrecht e o novaiorquino (Nova Yorque está para além dos E.U.A.) Stephen Jay Gould (1941-2002), que foi professor de zoologia em Harvard. Entre os nacionais, o incontornável e fabuloso Nelson Rodrigues e José Wisnik, entre outros.

Mas o que muito me chamou a atenção no artigo é o tratamento que Nuno dispensa aos protagonistas nacionais do nosso futebol. Pelé, Garrincha, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho, entre outros, são citados e o “estar no mundo” desses esportistas ganha contornos de drama e comédia, de tragédia enfim. Nuno, ao considerar “horrível e até cafona essa imagem habilidosa e alegre de nosso futebol”, promove uma desconstrução inteligente, perspicaz e polêmica do esporte mais popular do Brasil.

Segundo Nuno Pelé foi “grosso e craque ao mesmo tempo”, “dono de um primor técnico em todos os fundamentos do futebol”, mas capaz de usar “a canela e a botinada” como “deuses gregos quase faunos”. Nuno não vê alegria em seu jogo, mas “potência e fúria.” E aí fica impossível não lembrar a frase histórica do técnico de futebol Neném Prancha (1906-1976): “Jogador de futebol tem que ir na bola com a mesma disposição com quem vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar.”  A definição de Nuno não retira Pelé do Olimpo, mas o aproxima dos deuses gregos, não por sua deificação, mas por sua concretude e similitude com os mortais.

Garrincha é visto como “barroco e minimalista”, eficácia aliada a dispersão. Ronaldo é um “Pelé especializado”, unindo “potência física e técnica”. Forte a maneira como Nuno resgata Rivaldo, cuja sina precisaria de “um grande, mas grande poeta” para ser cantada. Rivaldo é nosso craque “menos amado. Mal humorado, magro, feio e pouco expressivo”. Ronaldo Gaúcho é “a grande esfinge do futebol brasileiro contemporâneo, que vem nos devorando porque nunca a deciframos.”

E assim prossegue a desconstrução e a reflexão de Nuno Ramos, misturando Tom Jobim, Youtube, casa-grande e senzala, Galvão Bueno, Gaudí e Le Corbisier, entre outros, para dar conta da crise futebolística nacional.

Mais não escrevo porque o objetivo desta mistura de resenha e artigo é levá-los a ler Nuno Ramos.