Por Natalia Borges Polesso
Eu soube de fonte segura, que contista, mas contista mesmo, só
existe mais um. Foi um choque ouvir tal informação, ainda mais vindo de quem
veio, fonte indubitável! Eu fiz uma série de perguntas sobre o fato. Sem
vírgulas na fala e cheia de exclamações. Contou-me a fonte a seguinte história.
O contista é um homem grave. Ele cultiva uma barba respeitável e
suja. E uma coisa autoriza a outra! Ser respeitável por acumular os vestígios
de uma vida e, ser suja por criar o espaço de cada vestígio e de sua história.
O contista deve ter uns oitenta, cem, cento e trinta anos. Não se sabe ao certo,
pois o homem se recolheu há muito tempo e, desde então, só vive para contar
histórias. Contudo, suas histórias são alheias. Nada, nada mesmo, é pessoal.
Absorto na sua “barba-ridade”, baseado em sua vasta experiência imaginária, ele
cria, ele conta.
Mas antes, com uma tesoura de ouro ele recorta um pedaço do tempo.
Dizem que, ao redor dos contistas há muitos desses buracos de minhoca, esses
que alteram o tempo, por causa desses recortes. Então o contista sacode o retalho de tempo
para tirar tudo o que é excesso. Quando só restam as coisas essenciais, ele
abre um dicionário e recorta algumas palavras. Depois abre um vinho ou um
uísque e mistura com as palavras. Pobres palavras bêbadas! Vão para o retalho
de tempo sem nem saber o que está acontecendo ao certo. Mas o pior vem depois,
o velho tarado abusa das palavras. Extenua cada sílaba, cada som. Cospe, grita,
sussurra. Abandona-as.
Logo que elas caem numa espécie de torpor e trauma, ele as ajeita
cuidadosamente. Faz umas linhas, filas, amontoados. Lambe-as. Cospe-as
novamente. Gruda uma a uma no retalho. E o mais terrível de tudo isso é que
elas gostam.
Natalia Borges Polesso é mestre em Letras, Cultura e Regionalidade pela UCS; escritora a
procura de um editor e professora de inglês.