terça-feira, 17 de abril de 2012

Eu soube de fonte segura...


Por Natalia Borges Polesso

Eu soube de fonte segura, que contista, mas contista mesmo, só existe mais um. Foi um choque ouvir tal informação, ainda mais vindo de quem veio, fonte indubitável! Eu fiz uma série de perguntas sobre o fato. Sem vírgulas na fala e cheia de exclamações. Contou-me a fonte a seguinte história.

O contista é um homem grave. Ele cultiva uma barba respeitável e suja. E uma coisa autoriza a outra! Ser respeitável por acumular os vestígios de uma vida e, ser suja por criar o espaço de cada vestígio e de sua história. O contista deve ter uns oitenta, cem, cento e trinta anos. Não se sabe ao certo, pois o homem se recolheu há muito tempo e, desde então, só vive para contar histórias. Contudo, suas histórias são alheias. Nada, nada mesmo, é pessoal. Absorto na sua “barba-ridade”, baseado em sua vasta experiência imaginária, ele cria, ele conta.

Mas antes, com uma tesoura de ouro ele recorta um pedaço do tempo. Dizem que, ao redor dos contistas há muitos desses buracos de minhoca, esses que alteram o tempo, por causa desses recortes.  Então o contista sacode o retalho de tempo para tirar tudo o que é excesso. Quando só restam as coisas essenciais, ele abre um dicionário e recorta algumas palavras. Depois abre um vinho ou um uísque e mistura com as palavras. Pobres palavras bêbadas! Vão para o retalho de tempo sem nem saber o que está acontecendo ao certo. Mas o pior vem depois, o velho tarado abusa das palavras. Extenua cada sílaba, cada som. Cospe, grita, sussurra. Abandona-as.

Logo que elas caem numa espécie de torpor e trauma, ele as ajeita cuidadosamente. Faz umas linhas, filas, amontoados. Lambe-as. Cospe-as novamente. Gruda uma a uma no retalho. E o mais terrível de tudo isso é que elas gostam.

Natalia Borges Polesso é mestre em Letras, Cultura e Regionalidade pela UCS; escritora a procura de um editor e professora de inglês.