Por
Rosangela Dias
O norte-americano, descendente de nigerianos, Teju
Cole integrou a mesa Exílio e flânerie junto com Paloma Vidal.
Paloma é argentina e vive no Rio de Janeiro desde os dois anos de idade. Teju nasceu
nos Estados Unidos, foi para a Nigéria e voltou aos Estados Unidos com 17 anos
e vive atualmente em Nova York, talvez a cidade mais cosmopolita do planeta.
Seriam exilados que flanam ou flanadores que se sentem exilados?
“O flâneur e o exilado são, de modos diferentes,
mas às vezes complementares, figuras deslocadas e em deslocamento, que se veem
fora dos seus espaços familiares. São figuras literárias por excelência,
modernamente literárias, por produzirem e sofrerem situações de estranhamento,
atravessando fronteiras, confrontando-se com algo que lhes é alheio, que é
assustador mas também tem seu fascínio”, afirma Paloma Vidal em entrevista.
Teju e Paloma começaram a mesa lendo os próprios
textos. Teju lê o início do primeiro capítulo de seu livro, Cidade aberta, passado em Nova York. Num
inglês sonoro e ritmado, a leitura de Teju se aproximou de um caminhar. Mas o
caminhar de Teju não é a flânerie
descompromissada de Baudelaire por Paris ou João do Rio no Rio de Janeiro ao
final do século XIX, início do XX. Julius, narrador e personagem do livro,
caminha por uma Nova York pós-ataque às torres gêmeas. E nela o narrador não
deseja se perder nas multidões, mas se afastar delas. E a multidão que Cole
divisa no início de seu romance é uma multidão controlada, seja porque participa
da maratona – precisa passar por lugares previamente demarcados – seja porque
assiste à ela – não pode acessar determinados espaços destinados aos corredores
–, multidão com objetivos definidos; ganhar e/ou terminar a maratona; ver a
prova e quem a ganhou. Não uma multidão que deseja se perder na velocidade da
modernidade nascente da passagem do século XX para o XXI. Esse caminhar de
Julius/Teju se repete ao longo de todo o romance, é através dele que consegue
falar da cidade e de si próprio. Caminhar que ele compara às aves que
atravessam os céus de Nova York num movimento de migração considerado natural.
Como acreditamos ser natural as migrações contemporâneas, apesar de sabermos as
dificuldades enfrentadas por aqueles que migram, seja em busca de melhor
qualidade de vida, por razões políticas ou questões de mera sobrevivência.
Julius, o narrador, nos passa certo estranhamento
por ali estar, os espaços lhe são conhecidos, mas ele não se sente confortável
neles. O passeio que inicia está carregado de simbolismos, porque assim é Nova
York, extensão e compressão de todas as possibilidades urbanas e citadinas.
Julius, o narrador, chega a Columbus Circle, praça que homenageia o descobridor
do Novo Mundo. É nela que termina a maratona de Nova York. Visita professor
descendente de japonês que chegou a viver em campo de concentração durante a II
Guerra Mundial. Julius/Teju critica o shopping de lojas caras e quando acredita
que o shopping possa lhe abrigar para fugir da multidão – nele há uma livraria
com um café – descobre que não pode entrar no prédio por conta da maratona. Até
o comércio que lhe era familiar se torna estranho, lojas fecham ou estão com
seus dias contados, caso principalmente das lojas de CDs. Em outro capítulo
Julius/Teju é discriminado no metrô por duas crianças que o consideram bandido,
pelo fato de ser negro.
Paloma lê o primeiro capítulo de seu livro Mar azul, que ainda será lançado. Mas a
discussão se situa bem mais em livro anterior de Paloma, Algum lugar, cujo trecho final foi lido por João Paulo Cuenca,
mediador da mesa. A origem do livro foi a passagem de Paloma por Los Angeles,
cidade em que viveu para fazer curso de doutorado. Los Angeles não permite a flânerie, nela não há esquinas e se
alguém assistiu ao filme Um dia de cão (EUA, 1975, dir. Sidney Lumet, com
Michael Douglas) deve lembrar o quanto a mesma pode ser inóspita, mesmo que
você se locomova nela de carro, ainda que seja uma cidade a automóveis
destinada. Entretanto, escrever sobre Los Angeles fez com que Paloma gostasse
da cidade; é para isso que se escreve sobre as cidades, para se gostar delas,
diz a autora. Teju também se sentiu bem mais novaiorquino após escrever sobre a
big apple.
Antes dos livros, os autores se sentiam estranhos
em relação às cidades em que viviam. Escrever sobre elas fez com que delas se
apropriassem, tecessem um vínculo. Em ambos, vemos uma escrita que podemos
chamar de confessional, em que as cidades ganham concretude, não no sentido de
contarem a própria história ou a história da cidade (ainda que no caso de Teju
a história de Nova York surja), mas no uso que fazem da experiência de nelas
morarem para criarem uma ficção. De uma passagem “fracassada” por Los Angeles,
segundo Paloma, surgiu um livro.
O estranhamento causado pelo caminhar de Julius/Teju
e a busca de “algum lugar” por Paloma numa Los Angeles excludente de quem
caminha torna nossos autores/narradores exilados que flanam. Situação que
talvez até tenha mudado após a escrita dos livros, mas no momento em que esta
se fazia, este era o sentimento.