quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Escrever


Por Rosangela Dias

Uma vez me perguntaram por que me tornei editora. A resposta foi fácil: “porque gosto de livros”. Mas acredito que a resposta à pergunta “Por que alguém se torna escritor?” não é tão fácil assim. Após ler A maleta de meu pai,[1] discurso/confidência feito pelo escritor turco Orhan Pamuk ao receber o Prêmio Nobel de Literatura em 2007, percebi quão complexa é a dimensão que envolve o ato de escrever.Fiquei tentada a “exigir” que todo e qualquer candidato a publicar na editora que dirijo fosse obrigado a ler o texto de Pamuk. Nele são descritos todos os malefícios sofridos por quem decide ser escritor.

O mote para o texto é a maleta que seu pai lhe deu com seus escritos, pedindo-lhe “Dê só uma olhada”. Talvez, para o pai, a maleta seria “um fardo incômodo”, mas para ele, o filho, um peso. Nela poderia aparecer um pai que ele não conhecia, criador de um mundo que o filho não compartilhou.

A partir desta ideia Pamuk resume o significado do que é ser escritor e do que é escrever.“O escritor é uma pessoa que passa anos tentando descobrir um segundo ser dentro de si”, [...] “uma pessoa que fecha a porta [...] volta-se para dentro; cercada pelas suas sombras, constrói um mundo novo com as palavras”. Alguém que “se recolhe em si mesmo – com paciência, obstinação e alegria”. O escritor é um “criador de novos mundos” cujo segredo não é a inspiração, “mas a sua teimosia, a sua paciência”.

Para a criação deste novo mundo é preciso que a “força da história se acumule” no autor e, então, ele “decide sentar-se diante da mesa e entregar-se com paciência a sua arte [...]”. Arte que exige solidão ou talvez uma arte somente permitida àqueles que não sintam falta de “muita gente, salões, piadas, companhia”.

Pamuk continua sua fala e cada vez mais insiste na necessidade do escritor de “evitar multidões, as outras pessoas”. “O ponto de partida da verdadeira literatura é o homem que fecha a porta e se recolhe com seus livros”. Escrever, para Pamuk, não é uma atividade mundana, é preciso talento, respeito e compreensão pelo outro para “contar as próprias histórias como se fossem histórias dos outros, e contar as histórias dos outros como se fossem suas, porque isso é a literatura”. Buscar “consolo na alteridade”.

Pamuk em seu texto invoca a tradição do ofício, “das palavras que vieram antes de nós,” e da necessidade que o escritor tem de “transformar em palavras esse olhar para dentro”.

Mais não digo do que escreveu/falou Pamuk, pois recomendo que todos leiam seu livro. Só adianto que ficamos sem muita informação sobre os escritos de seu pai e que felicidade e literatura não caminham, necessariamente, juntas.


[1] pamuk, Orhan. A maleta de meu pai, São Paulo: Companhia das Letras, 2007.