quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A política externa brasileira na era Lula: um balanço


Apresentação – Págs. 7 a 10
Ao tomar posse para o seu primeiro mandato presidencial em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em seu discurso no Congresso Nacional: “‘Mudança’: esta é a palavra-chave e foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos”.[i][1]
No âmbito da sua política externa, o Brasil experimentou notáveis mudanças nos últimos anos, tendo assumido um intenso protagonismo nas grandes questões mundiais. Assim, olhando em retrospectiva, mais de 8 anos depois do início da “era Lula”, e tendo a percepção do novo status adquirido pelo país no cenário internacional, não podemos deixar de recordar uma anedota que circulava naquele momento, comparando a política externa do então novo presidente com a de seu antecessor: dizia-se que, com Fernando Henrique Cardoso (Fhc) recebido com honras e admiração no círculo restrito da terceira via dos anos 1990, formado por Bill Clinton (Eua), Tony Blair (Reino Unido) e Lionel Jospin (França), o Brasil havia sido aceito como o último dos primeiros; já o Brasil de Lula, com as novas diretrizes diplomáticas assumidas a partir de 2003, teria decidido tornar-se o primeiro dos últimos. A posição no ranking ficaria inalterada; a mudança estaria no enfoque e na eleição das prioridades.
De fato, a política exterior de Lula voltou-se – no discurso e na prática – para os países do chamado Sul Global. Fazendo questão de afirmar – e mostrar – que o Brasil manteria suas boas relações diplomático-comerciais com os Estados Unidos da América (Eua) e a União Europeia (Ue), o governo Lula fez movimentos, desde seu início, no sentido de se aproximar dos países mais pobres e, também, daqueles que se equiparavam ao nível de desenvolvimento econômico brasileiro. O Itamaraty assumiu a causa da luta contra os subsídios agrícolas mantidos por europeus e estadunidenses, catalisou a formação do g-20 e ajudou a inviabilizar o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Ao mesmo tempo, na América do Sul, procurou investir no Mercado Comum do Sul (Mercosul), respeitando as idiossincrasias argentinas e atraindo a Venezuela de Hugo Chávez. Ainda na região, o Brasil buscou instigar a aproximação política entre os Estados, pretendendo firmar-se como mediador dos conflitos regionais. Mesmo que nesse propósito tenha tido resultados irregulares, o país pôde impor seu ritmo na formação da União Sul-Americana de Nações (Unasul), criada com o ambicioso propósito de conectar política, diplomática, militar e economicamente o Pacto Andino, o Mercosul, a Guiana e o Suriname. Assim, como ressaltava o então chanceler Celso Amorim, em artigo publicado no ano de 2004:

A ação diplomática do governo Lula é concebida como instrumento de apoio ao projeto de desenvolvimento social e econômico do País. Mas ela possui, também, uma dimensão humanista, que se projeta na promoção da cooperação internacional para o desenvolvimento e para a paz. Está profundamente enraizada nos interesses e esperanças do povo brasileiro. É nacional, sem deixar de ser internacionalista.[ii][2]

Além disso, Lula exerceu abertamente a chamada diplomacia presidencial, usando seu carisma para circular entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, a fim de assegurar a posição de articulador de mundos: de Davos a Porto Alegre, da Casa Branca à Casa Rosada, da Bolívia ao Oriente Médio. Nos governos Lula, o Brasil voltou novamente os olhos à África, abrindo novas embaixadas e desenvolvendo parcerias econômicas com países como Angola, Nigéria e África do Sul. Nas Américas, deixou de agir apenas na sua área tradicional de influência – a América do Sul – apresentando-se para liderar a face militar da Missão das Nações Unidades para a Estabilização do Haiti (Minustah), a partir de 2004. Continuou, ainda que sem sucesso, na campanha pela reforma da Onu que, entre outras alterações, lhe garantisse um assento como membro permanente no Conselho de Segurança.
A ampliação dos alvos da política externa na era Lula motivou manifestações de apoio e de rejeição, no Brasil e no exterior. Os críticos a consideraram demagógica e ineficaz; os entusiastas, a classificaram como inovadora e original. Alguns voltaram a falar em hegemonia brasileira: para uns, necessária; para outros, perigosa. Houve quem indicasse uma incômoda semelhança entre a política externa de Lula e o pragmatismo responsável da ditadura militar; denúncia rebatida pelos que valorizaram a ação brasileira e de Lula, em particular, como uma liderança de esquerda moderada. Ao valorizar o papel das Forças Armadas, dos acordos de cooperação militar para transferência de tecnologia e dos temas de defesa e segurança regionais, o governo Lula acabou por enfatizar o vetor estratégico das relações internacionais do Brasil, colocando em tela novas questões e problemas para além da integração comercial.
 Enfim, os dois mandatos de Lula trouxeram as pautas de política internacional para o debate doméstico e ampliaram os campos de ação e de interesse da diplomacia brasileira. Além disso, o interesse de amplos setores da sociedade civil brasileira pela dinâmica das relações internacionais no mundo contemporâneo e pelos rumos da nossa política externa aumentou consideravelmente. Pensar o lugar do Brasil e seus rumos na política internacional passou a ser, assim, um exercício renovadamente complexo. Nesse sentido, e cientes da importância em se analisar, de forma plural, o legado da política externa dos governos Lula, o Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Ppgest/Uff), o Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (Lepeb/Uff) e o Projeto Sistema Brasileiro de Defesa e Segurança (Sisdebras/Capes), com o apoio do Núcleo de Estudos Estratégicos (Nest/Uff) e da graduação em relações internacionais da Uff, organizaram, em setembro de 2010, o seminário “A política externa brasileira na era Lula: um balanço”. As contribuições dos palestrantes, pesquisadores e especialistas de diversas procedências compõem um quadro amplo e bastante significativo de aspectos da política exterior brasileira desses anos, cuidando de temas como a nova inserção internacional do Brasil, a dinâmica das relações entre Brasil e os Eua, o papel brasileiro na América do Sul, as novas dimensões da questão de defesa nacional e regional, a atenção para com os países do Sul e o papel da imprensa na cobertura e discussão da ação exterior do país.
Se é válido pensar que, de último dos primeiros, o Brasil passou à posição de liderar os últimos, o que significa esse deslocamento de prumo? Como compreender a política externa brasileira contemporânea, em seu diálogo com a tradição diplomática e suas inovações? Como analisar as relações exteriores brasileiras para além da adesão e do rechaço? O que esperar da política externa pós-Lula? Essas foram perguntas que o seminário procurou levantar, a fim de indicar possíveis respostas. O livro que dele emerge registra esse esforço e convida o leitor para que ele, também, alimente e leve adiante novas problematizações.

Os Organizadores



[i][1]Lula da Silva, Luiz Inácio. Discurso do senhor presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na sessão de posse, no Congresso Nacional, em Brasília. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 jan. 2003.
[ii][2] Amorim, Celso. Conceitos e estratégias da diplomacia do Governo Lula. Diplomacia, Estratégia e Política (01). Brasília: Projeto Raúl Prebisch, out./dez. 2004.


(Orgs. Adriano de Freixo, Luiz Pedone, Thiago Moreira Rodrigues e Vágner Camilo Alves)

224 páginas
16x23cm
ISBN: 978-85-61022-56-3
Preço: 35,00