quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Escrever, inspiração ou trabalho?


Por Christiane Angelotti

"A noção comum que se tem a respeito do escritor é que pessoas excepcionais, nascidas com o dom de escrever bem o belo, são periodicamente visitadas por uma espécie de iluminação das musas, ou do Espírito Santo, ou de um outro espírito propriamente dito - fenômeno a que se dá o nome de 'Inspiração'. O escritor fica sendo assim uma espécie de agente ou médium, que apenas capta as inspirações sobre ele descidas, manipulando-as no papel graças 'aquele' dom de nascimento que é a sua marca. Pode ser que existam esses privilegiados - mas os que conheço são diferentes. Não há nada de súbito, nem de claro, nem de fácil." Rachel de Queiroz

Qual o escritor que nunca se deparou com uma página em branco e um “vazio de ideias”? Por que isso ocorre? O que nos falta nesse momento?

Tenho colegas que dizem serem momentos em que parece faltar uma conexão com o mundo interno. Isso explicaria porque não consigo escrever quando estou doente, porque não sinto a escrita fluir quando estou com algum problema mais sério que parece esgotar as minhas energias.

Considero escrever um oficio e como todo ele, requer disciplina, esforço, vontade de aprender, estudo, dedicação. Mas há sim uma enorme diferença em ler um texto inspirado. Ele atinge diretamente a alma do leitor. É quase um momento mágico. E escrever estando inspirado também confere a mesma sensação.

Talvez existam escritores que só saibam escrever assim, inspirados. Mas é possível viver inspirado? Ou inspiração também é algo que se aprende a buscar?

Quem escreve (por vocação), tem como diferencial um poder de observação capaz de extrair do mundo, do cotidiano, momentos inspirados, as tais “sacadas’ e assim garantir um toque especial na sua escrita. E isso requer um exercício de observação, de escuta e de sentir.

Penso, então, que trabalho e inspiração podem caminhar lado a lado.

Nos últimos tempos tenho lido alguns autores novos e me surpreendido com muita coisa. Se fosse editora apostaria em uns 3 ou 4 nomes de escritores que considero promissores. E há muito mais. Por outro lado, há os que considero devaneios do mercado... Não entendo como alguns textos são editados e porque são. Sei que há leitores para todos os estilos e defendo essa ideia, mas alguns textos simplesmente não chegam nem a configurar no que se pode chamar de literatura, não dá. Bom, vou até mudar o rumo da coluna para não ser crítica demais.

Escrever é ter o dom de trabalhar com as palavras. Fazer de um assunto banal, foco de atenção. De uma observação do cotidiano, uma história interessante.
Nem sempre há o domínio da língua, mas isso se aprende. Difícil é ensinar alguém a ser escritor. E o que falta? Será inspiração? Vocação? Trabalho? Ou tudo isso junto?

Talvez para tentar entender a tal inspiração para escrever seja necessário entender porque escrevemos e o que nos motiva.

Escreve-se por amor e por necessidade.
Escreve-se para tentar entender o mundo, os outros e a si mesmo.
Escreve-se porque viver não é suficiente.
Escreve-se para sonhar.

Sempre me lembro de Rainer Maria Rilke em Cartas a um jovem poeta quando penso no que significa ser escritor. Seria possível viver sem escrever?

Por isso acho que a inspiração talvez seja um breve momento. Trabalhamos para alcançá-la, mas ela aparece quando menos se espera. Escrever vai além, é amor e trabalho.

Texto originalmente publicado no jornal Sobrecapa Literal

Christiane Angelotti é escritora e editora do site educativo ABC KIDS