sexta-feira, 6 de julho de 2012

Cercas e Vásquez & Ficção e História


Por Rosangela Dias

Javier Cercas e Gabriel Vásquez participaram da mesa da Flip Ficção e História. Ao ler os romances Soldados de Salamina de Cercas e Os Informantes de Vargas, descobri alguns pontos comuns entre eles. Os dois são escritores de língua espanhola, o primeiro espanhol e o outro colombiano, mas vivem na Espanha. Os dois narradores de ambos romances são jornalistas que desejam ser escritores e que desconfiam e temem por sua própria capacidade de produzirem bons textos. Vásquez recebe como uma bomba a crítica que o próprio pai faz ao seu livro na resenha que escreve. Segundo ele o estilo do filho é “enjoativo e monótono” e algumas vezes “peca pelo sentimentalismo”outras “por ser palavroso” e o livro é construído por “lugares-comuns da sociologia”, enfim, “o conjunto é um fracasso”. A resenha afasta pai e filho que voltam a se encontrar quando o primeiro fica doente.

Cercas não fica atrás, também se sente desgostoso com sua produção e após largar o emprego como jornalista para se tornar escritor “amarga uma depressão espantosa” que o derruba “em um sofá diante do televisor durante dois meses” por não conseguir terminar seus romances. O encontro entre o narrador, que retoma o trabalho de jornalista e vai entrevistar o escritor chileno, exemplifica as dúvidas sobre seu talento. Bolaño o reconhece, conta que comprou os dois livros dele. O narrador faz piada “Ah, foi você?”, mas Bolaño não se dá por vencido e brande “triunfalmente” os dois livros que estavam usados, tinham sido realmente lidos. Cercas em entrevista conta que a situação é imaginária, o encontro entre os dois não se deu assim.

Mas não só a dúvida explícita de seus narradores, quanto a ser ou não ser bons escritores, que paira sobre eles, os aproxima. Como confessado na mesa, Cercas e Javier produziram os romances citados preocupados com o processo da escrita, da produção de um texto. Mais do que contar uma história, o que fazem é narrar sobre a produção dela. Por isso ambos se expõe no livro, Cercas se coloca como o narrador e Vásquez, ainda que não o faça de forma explícita, batiza o narrador e o pai deste com o próprio nome. Ambos os narradores perdem os pais, já adultos e a perda os afeta. Principalmente ao narrador de Vásquez.

Tanto Cercas quanto Vásquez abordam temas do século XX que se aproximam por estarem ligados a II Guerra Mundial. Cercas trata de personagem da Revolução Espanhola, considerada pelos historiadores uma espécie de tubo de ensaio para o ataque nazista. Militares e equipamento bélico alemães fizeram parte do combate aos comunistas auxiliando os falangistas. Vásquez escreve sobre a Colombia dos anos 80, mas seu enfoque se volta para a perseguição aos alemães na Colômbia durante e no pós-guerra. Mas o que a trama de ambos os romances busca são os afetos, as memórias, os ressentimentos causados pelos eventos históricos, que não constam nos livros da disciplina. Em pleno século XXI a crise das democracias liberais na Europa e suas consequências mundiais, a segunda-guerra, a ditadura franquista, o holocausto e a Guerra Fria entre outras, permanecem.

Entretanto, a semelhança maior entre eles, para além da qualidade dos textos, é a proximidade com a chamada História do Tempo Presente como a recuperação do uso de testemunhos para a escrita da realidade, bem como o trato de temas ainda latentes e cujos traumas deles decorrentes, lhes são contemporâneos, os afeta.

Ambos são escritores preocupados com o rumo de seus países e seus textos não são livros de História, mas ambos dela fazem uso com propriedade, requinte, inteligência e sensibilidade e indo além. Cercas, como diz, usa “a ficção para iluminar as sombras da História” e Vásquez escreve em seus textos o que os leitores “não encontrariam em nenhum outro lugar”. Ou seja, criam outros mundos – Ficção - a partir da arte de inventar o passado – História.