quinta-feira, 5 de julho de 2012

Mil e uma Paraty(s)


Por Rosangela Dias

A partir de hoje até domingo Paraty será tomada por escritores, editores, jornalistas, amantes da literatura e tietes de autores que se juntarão aos moradores da cidade para comemorarem mais uma edição da Flip, Festa Literária de Paraty, este ano em sua décima edição.

Que mistério possuirá Paraty, cidade histórica localizada ao pé da Serra do Mar, para se transformar em rota literária internacional? Como a pequena cidade conseguiu esta capacidade fantástica para se reinventar, palavra da moda atualmente?

Mas Paraty já nasceu predestinada, afinal foi criada para enviar o ouro das Gerais para Portugal. Poucas são as cidades que nascem com tão rica função. As inúmeras igrejas, o (des)traçado das ruas com um vão no meio sem motivo certo e sabido – seria para escoar água da chuva ou das marés? - o calçamento irregular para se andar descalço e massagear os pés, o colorido das janelas das casas e o cheiro do mar são Paraty.

Será que a predestinação de uma Paraty internacional remonta a tempos atrás? Há histórias de que Paraty foi reduto de piratas que vinham saquear os navios carregados de ouro que dela saíam.

Não sei da Paraty da Flip, infelizmente nunca consegui ir à Flip, mas tenho outras Paraty(s) em mim. A primeira vez que ouvi falar da cidade foi ao final dos 1960, momento pós-golpe militar, quando a beleza de Paraty e arredores começou a render momentos cinematográficos. Nelson Pereira dos Santos, cineasta do Cinema Novo e impactado com a repressão pós-golpe, resolve se refugiar em Paraty para filmar. Ele foi o primeiro a apostar nas possibilidades imagéticas da cidade, suas praias e ilhas. Com sua equipe de atores e pessoal técnico, quase uma família que produzia os filmes em coletivo, ideias mil na cabeça e, lógico, câmara na mão, Nelson dirigiu em Paraty Fome de amor (1968) com Arduíno Colasanti e Leila Diniz, e Como era gostoso meu francês (1970) também com Arduíno, dessa vez fazendo par com Ana Maria Magalhães. Será que foi em Paraty que Arduíno Colasanti, um dos homens mais bonitos e charmosos do Brasil, resolveu trocar o cinema pelo mergulho aquático?

Depois a cidade ganhou as páginas policiais ao tornar-se paraíso hippie. Talvez pela sua dificuldade de acesso, só se conseguia chegar de barca, era lugar ideal para curtir sol, praia e viagens alucinógenas. Mas como os tempos eram pesados, a patrulha costeira e a polícia civil começaram a parar as barcas, revistar mochilas, mochileiros, raspar a cabeça de bichos-grilos, prendê-los e confiscar as drogas.

A partir de 1973, o acesso à cidade melhorou com a construção da Rodovia Rio-Santos, projeto grande do período do chamado “milagre brasileiro”, que permitiu chegar a Paraty de ônibus ou carro. Histórias sobre a região cortada pela estrada, espremida entre a serra e o mar, começaram a surgir, se verdadeiras ou não, não sei. Uma delas contava que índios, que nunca haviam visto homem branco, foram descobertos. Parece que um porto encontrado, chamado Bracuhi, era de chegada de escravos clandestinos após a proibição do tráfico. Fato é que a partir de então Paraty entrou em definitivo para o roteiro turístico nacional.

Descobrimos, então, que Paraty tinha conseguido manter sua arquitetura do século XVII quase que incólume. As operadoras de turismo, abusando da criatividade, começaram a chamá-la de “Ouro Preto com mar”. Alguns paulistas, cariocas e urbanóides outros, entediados com a cidade grande, resolveram se mudar para Paraty e o centro histórico perdeu sua população nativa. As fachadas das casas foram mantidas, tombadas pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas foram vendidas para forasteiros, retrofitadas e passaram a valer fortunas. 

Somente fui conhecer Paraty in loco nos anos 1980. Famosas eram suas cachaças e a Festa do Divino que, como o casario colonial, permaneceram quase intactos. Momento glorioso da cidade foi a filmagem de Gabriela com Marcelo Mastroiani e Sonia Braga. Paraty, sempre pronta a se metamorfosear, transformou-se na Ilhéus dos anos 1920. Estava lá no período das filmagens, acho que 1981 ou 1982, pois o filme é de 1983, e vi Sonia/Gabriela sair para comemorar junto com equipe do filme, artistas, turistas e moradores a vitória da seleção brasileira de futebol. Não sei se era eliminatória da Copa ou a Copa em si, mas lembro de Sonia comandando a festa, não sei também do placar nem contra quem o Brasil jogou. Durante aquela semana a programação mais quente de todas as noites era buscar nos bares e casas a equipe do filme. Havia boatos de festas sendo oferecidas para Sonia aqui e acolá, ou que Mastroianni estava no bar tal bebendo com os nativos. Mas só lembro de ter visto Sonia nessa comemoração, talvez o mais interessante fosse a busca.

Mas, por que será que Liz Calder, inglesa que criou a Flip, resolveu escolher Paraty? Será que ela sabia de tudo isso e mais alguma coisa?