segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Lançamento Felipe Barbosa e Leila Danziger | Cosmocopa + Apicuri


Estranha economia

Felipe Barbosa (1978) é formado em pintura pela UFRJ (2001) e mestre em linguagens visuais pela EBA/UFRJ (2004), defendendo a dissertação “A experiência da arte pública”. Seu trabalho, que abrange a produção de objetos, pinturas, fotografias, vídeos, instalações e textos, é mostrado com destaque desde 2000 tanto no circuito artístico nacional quanto no internacional.

O livro Estranha economia traça uma panorâmica da obra de Felipe Barbosa, com imagens de seus trabalhos no ateliê e em espaços expositivos. Com foco no processo criativo do artista, apresenta textos críticos de Alvaro Seixas, Luciano Vinhosa e Sheila Cabo Geraldo.

Estranha economia é também o título da série de trabalhos em que o artista usa objetos do cotidiano recobertos de picotes de papel-moeda e os agrupa em instalações que revelam ambientes familiares porém cheios de estranheza. Outras séries de trabalhos do artista mostram bolas de futebol desconstruídas em seus gomos e remontadas em planos ou outros formatos, palitos de fósforo agrupados para formar esferas orgânicas, casas de cachorro montadas em “condomínios”, martelos totalmente recobertos por pregos.

Para Alvaro Seixas, “esses objetos, e muitos outros, elaborados pelo artista Felipe Barbosa, podem ser vistos como crias maravilhosamente degeneradas da modernidade”. Segundo Sheila Cabo Geraldo, “quem visita o ateliê de Felipe Barbosa reconhece sua avidez por objetos que se acumulam e se transformam”. Estes objetos e sua transformação, na obra do artista, estão, a meu ver, a serviço de um desejo de catalogação, de ordenação, como uma pulsão aristotélica. Não só nas fotos dos trabalhos em exposição estes se apresentam ordenados, arrumados, catalogados; também nas fotos de ateliê está busca de ordem impera: “Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar.” Matériasprimas: palitos de fósforo, bolas de futebol, casas de cachorro, lápis, livros antigos, esquadros de acrílico, bolas de sinuca, bombas, pilhas, guarda-chuvas... Ferramentas: martelos e pregos (também matérias-primas), alicates, chaves de fenda, cavaletes, mesas de trabalho, mapotecas, colas, tintas em spray... Todos empenhados em um trabalho incessante demconstrução de uma nova ordem.

Finalmente, como aponta Luciano Vinhosa, “apropriando-se de objetos industrializados adquiridos no comércio varejista ou simplesmente encontrados nas ruas do mundo, o artista os reúne em novas formas para, em seguida, os recontextualizar na arte, ressignificando seus usos e funções sociais”. Os interiores de uma casa são transformados pela “pele” de picotes de papel-moeda que cobre todos os objetos. Em um canto, uma “bicicleta”que, com a nova “pele”, perdeu sua função de meio de locomoção, transformou-se em um objetode arte e, no espaço expositivo, se apresenta ao espectador como algo que “sempre foi assim”, como um objeto de arte saído diretamente da imaginação do artista — afinal são as convenções do “cubo branco”. Mas ao mostrar a imagem da simples e comum bicicleta meio recoberta pelos picotes, em pleno processo de construção, o livro abre ao leitor a possibilidade de ampliar sua reflexão sobre o fazer artístico.

(Jozias Benedicto)
  
Todos os nomes da melancolia

Todos os nomes da melancolia, de Leila Danziger, apresenta imagens de trabalhos reunidos sob o traço da melancolia, definida apropriadamente pela autora como “uma forma de resistência ao aceleramento vertiginoso do tempo, uma estratégia reativa a um tipo de temporalidade — excessivamente veloz e voraz — em que não apenas o passado, mas também o presente e o futuro nos parecem barrados e inacessíveis”.

Contra essa velocidade, Leila nos prepara uma finíssima tessitura de narrativas visuais que retomam o tempo contemplativo da reflexão e da apreciação estética. É notável o cuidado artístico com que trata a presença ordinária das coisas que a cercam, transformando-as em um mundo extraordinário para os olhos e a imaginação, seja por meio de fotografias com referências ao mundo doméstico ou por meio de gravuras retomadas da história da arte, ou ainda pelo próprio ato de reconstruir novas imagens a partir de imagens já desgastadas. Por exemplo, quando trabalha com as folhas de jornais, escalpelando-as, Leila extrai delas todo o excesso para fixar apenas aquilo que interessa: uma imagem surpreendentemente bela de uma romã partida e/ou reinserindo em suas páginas linóleo-gravuras e versos, um balbuciar quase eloquente daqueles que tiveram suas vozes caladas à força.

A melancolia, sentimento normalmente vivido na intimidade, ganha em seus trabalhos uma dimensão social e coletiva quando a artista a faz deslizar da experiência particular, centrada em seu universo familiar, para experiências mais amplas da humanidade: o massacre dos judeus na Segunda Guerra, a diáspora palestina, o sofrimento do negro desterrado tomado pela saudade de sua terra natal, o drama dos desabrigados.

Nas páginas que seguem, acompanhadas de textos críticos esclarecedores, alguns escritos pela própria artista, o leitor, ou melhor, o bom apreciador visual — porque este é um livro para apreender com os olhos —, vai encontrar todo um universo de delicadeza que toma o fazer artístico hoje, tal atitude melancólica, como gesto de resistência contra a voracidade do tempo e do espetáculo... Vanitas!

(Luciano Vinhosa)