segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Três perguntas para Tatiana Bacal, autora de 'Música, máquinas e humanos'


1. “Música, máquinas e humanos: os Dj’s no cenário da música eletrônica” foi, originalmente, uma dissertação de mestrado. Por que a escolha desse tema e o que trouxe de novo para a antropologia social brasileira?

Vejo esse livro como um retrato de época, um momento inicial – na virada do século - de maior circulação de informações sobre música eletrônica no Brasil. Foi um período que se caracterizou por ter muitas tensões em torno da figura do DJ e sobre as os próprios elementos estéticos da música eletrônica. Naquele momento, ainda não havia sido realizado um trabalho sobre esse tema na área da antropologia no Brasil. E para isso foi importante dialogar com uma bibliografia internacional - para dimensionar os aspectos locais dessa manifestação - e com outras manifestações latentes na época, como o funk carioca, o hip-hop, o mangue-beat. Exigiu também o recurso à interdisciplinaridade, também devido à pouca bibliografia disponível sobre o tema. Desde então, surgiram trabalhos muito interessantes sobre o tema em diferentes programas de pós-graduação no país.

A partir da figura do DJ, é possível pensar a história da relação entre música e tecnologia ao longo do século 20 e perceber a própria tecnologia como estética, um fenômeno que remete a movimentos de vanguarda, como o futurismo no início do século 20, às músicas eletrônica e concreta na Europa dos anos 40 e 50 e às várias manifestações musicais que surgem a partir dos anos 80, como o dub, hip-hop, tecno, house, entre outras, aliando música, dança identidades e estilos de vida.

2. Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional, e de que forma o mestrado e, também, o doutorado, influenciaram e influenciam na sua carreira.

O grande tema que norteou e ainda norteia as minhas pesquisas é o da autoria aliada às novas tecnologias. O período da realização da pesquisa de mestrado no início dos anos 2000 foi um momento importante de legitimação dos DJs como autores/criadores, assim como a da experiência das festas de música eletrônica. Para entender o DJ como autor, era importante conhecer a partir de que técnicas e experiências se constroem essa autoria: conhecer ou reconhecer os seus processos de criação, composição e performance. No doutorado investiguei os produtores sonoros e visuais, que apresentariam um modelo contemporâneo de autoria. Num universo restrito da cena da música eletrônica ou em certos modos de arte contemporânea, o DJ, o produtor e o montador ganham o status de criadores e não de meros reprodutores (como foram considerados inicialmente), a partir dos usos digitais como instrumentos de criação.

3. Como chegou a este tema abordado no “Música, máquinas e humanos: os Dj’s no cenário da música eletrônica”?

Me formei em Ciências Sociais pela PUC-Rio, e pesquisei os “clubbers” como tema para a minha monografia de fim de curso. Estava, na época, muito influenciada pelos trabalhos da Janice Caiafa sobre os punks, do Hélio Silva sobre os travestis da Lapa e do Hermano Vianna sobre o mundo funk carioca. Na época, todo um circuito se criava em torno de jovens que criavam, produziam e fruíam música eletrônica, o que exigiu um mergulho nessa experiência musical e artística e que se traduziu pelo interesse especifico na figura do DJ e que foi desenvolvido ao longo do mestrado e que se cristalizou neste livro.