sexta-feira, 5 de julho de 2013

Mesa: As medidas da história

Por William Oliveira

Um arquiteto tem de ser um psiquiatra, e não um terapeuta foi uma das inúmeras pontuações perspicazes que o crítico de arquitetura, Paul Goldberger, trajando um estiloso par de meias vermelhas com listras brancas, lançou ao público na segunda mesa de ontem, quinta-feira. Num cenário mediado por Ángel Gurría-Quintana e com a presença do não menos provocador arquiteto português Eduardo Souto de Moura, um debate mais do que necessário veio à tona: a relação de identidade e funcionalidade que a arquitetura, esta disciplina habitada por tantos egos e vaidades, precisa ter. Afinal, como o próprio Souto de Moura observou, ninguém consegue dormir ou almoçar num manifesto. Ou tampouco transitar com conforto, se formos pensar em nossos grandes pólos urbanos, inundados de construções que mais dizem respeito aos traumas de infância dos arquitetos do que ao bem-estar que deveriam proporcionar, seja no ir e vir ou na mera contemplação.


Contemplação aliás que se faz um tema caro a Paul Goldberger, que em seus escritos leva o leitor leigo em arquitetura a reconhecer a beleza de edifícios, seu legado na história e as boas intenções que (nem sempre) geram bons resultados. Até porque, se de boas intenções o inferno está cheio, algo que tanto ele quanto Souto de Moura concordam é que também a grande arquitetura sempre será uma exceção mesmo que não seja lá tão prático viver nela, como pode se revelar a Villa Savoye, construção modernista de Le Corbusier e Pierre Jeanneret, com suas vidraças nada discretas.

Numa de suas ponderações, Goldberger arremata: a arte tem de ser um suporte para a vida, e também é  fundamental haver um equilíbrio em nossos julgamentos, concluindo que até Beethoven, se escutado repetidamente, pode acabar nos confundindo sobre sua relevância para a civilização. Souto de Moura, por seu lado, aponta: se a arte de maneira geral fala por si só, o mesmo deveria acontecer com as construções arquitetônicas, que não necessariamente precisam ser carregadas de significados semióticos, metafísicos e, na maior parte das vezes, egóicos.

Uma pena, porém, que a obra de Goldberger A Relevância da Arquitetura parecia esgotada nas livrarias de Paraty. Este sujeito de Nova Jersey e com sotaque pra lá de nova-iorquino tem de fato muito a dizer e nos fazer refletir sobre algo que à primeira vista nos soa banal mas que se revela literalmente relacionado ao chão que pisamos, para onde olhamos e o que habitamos. A cereja do bolo, aliás, foi sua afirmação sobre Oscar Niemeyer: um arquiteto fundamental ao modernismo brasileiro, mas incensado pelo próprio nome e que ao fim da carreira se tornou um pastiche de si mesmo.