sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Entrevista com Leonardo Name, autor de 'Geografia Pop, o cinema e o outro'



1.     Como surgiu a ideia de unir os temas Geografia e Cinema neste livro? E em que medida os temas se entrelaçam?

Desde minha especialização em Sociologia Urbana, na UERJ, estive estudando o cinema a partir de uma análise espacial. Lá estudei as representações das cidades no cinema, desde suas origens. Depois, no mestrado, me interessei em estudar as representações fílmicas da cidade do Rio de Janeiro: a simbiose entre natureza e urbano na capital fluminense fascinou um conjunto extenso de pintores, cronistas, fotógrafos, toda sorte de artistas e, é claro, cineastas. Na tese de doutorado e agora, com o livro, estou mostrando representações dos lugares que, identificados como dotados com natureza, são rebaixados a categorias como primitivo, exótico, selvagem... Meu interesse é mostrar o quanto pelos filmes se tem formas de narrativa contundentes que reificam um olhar hegemônico, de forte base eurocêntrica, que trata povos, culturas, paisagens e lugares em extrema alteridade.

A Geografia é uma ciência que tem o espaço e de saída é importante perceber que o cinema produz formas particulares de espaço-tempo. Isso já seria motivo suficiente para a disciplina ter o cinema como objeto de análise, e até mesmo o consagrado David Harvey analisou por isso dois filmes, “Blade Runner” e “Asas do Desejo”, no seu mais famoso livro, “Condição pós-moderna”.

Meu interesse mais específico, no entanto, são as formas de discurso geográfico. São notórias as monografias regionais francesas que narravam as singularidades de cada região. E ainda é muito presente na disciplina a tarefa de ir a campo e descrever uma paisagem. Ao mesmo tempo, temos uma geografia intimamente ligada à cultura de massa e à cultura de viagem que faz algo muito parecido até hoje, mas de forma bem mais ampliada: revistas como a National Geographic e documentários do Discovery Channel estão a todo momento nos falando de um “mundo selvagem” contraposto a uma preconcepção de civilização. Guias de Viagens, sempre cheios de mapas, ilustrações e descrições, tornam os lugares do Oriente e dos Trópicos “exóticos” e consagram a superioridade das paisagens da Velha Europa, por exemplo. É um olhar viciado sobre o Outro, sobre o que é considerado diferente, mas é um olhar geográfico. Assim como os filmes, que para mim não contêm geografia, eles SÃO GEOGRAFIA. São geografia que constroem a diferença como alteridade.

2.     Quais foram as dificuldades encontradas durante o processo de desenvolvimento da pesquisa?

Por incrível que pareça, convencer as pessoas, inclusive os geógrafos, de que o trabalho é sério. Anos de discussão sobre pós-modernidade e pós-colonialidade e ainda há muitos que acham que a ciência deve ser de um só jeito, que há objetos dignos de serem estudados e outros não. Faço uma análise de discurso que no fundo fala da capacidade de criação geográfica e do quanto a Geografia é um discurso de poder bastante propício para a naturalização de hierarquias e violências. Os filmes fazem isso porque os filmes são uma forma massificada de narrativa geográfica. Mas há quem faça com esse tipo de trabalho o mesmo que as representações que analiso promovem: tratam a diferença como algo da ordem do primitivo e do inaceitável. A psicanálise nos ensina que a diferença é sempre uma denúncia. E sempre se paga um preço por ser visto como diferente.

3.     Quais são os filmes analisados na obra e que critérios foram utilizados nessa escolha?

O cinema mostra essas representações geográficas de subalternização do Outro em vários tipos de filmes, mas os de aventura e de terror o fazem de uma forma muitíssimo forte. Há dois conjuntos de filmes no livro, com o que chamo de “personagens geográficos”: numa primeira parte, analiso todos os filmes da trilogia original do Indiana Jones e as três versões existentes para “King Kong”. São filmes de aventura. Quero mostrar a partir do Indiana Jones narrativas que legitimam práticas de colonialidade, a intervenção ocidental violenta como solução para o mundo. Eu tinha uma lembrança muito forte da infância de ter me apavorado assistindo a “Indiana Jones e o Templo da Perdição” na televisão, e esse meu pavor tinha origem na representação extremamente estereotípica dos indianos no filme, todos dominados por uma deusa maligna. 

Com o King Kong, ao contrário, queria mostrar narrativas sobre a invenção desse Outro subalterno, o quanto a ligação com a natureza credita primitivismo a lugares, paisagens e povos. O filme original é extremamente racista, mas o que me fez decidir mesmo foi ter assistido ao remake do Peter Jackson e ver o quanto ele mudou a cena da chegada dos brancos à Ilha da Caveira. Ele sabia muito bem o que estava fazendo, e relê o King Kong original tentando a todo momento denunciar e se distanciar do racismo do primeiro filme.

Na outra parte do livro eu utilizo personagens que estão em filmes que se passam no Brasil de modo a ver como o Brasil se encaixa nesse tipo de narrativa. Preferi utilizar filmes de terror. Daí eu relacionar King Kong com a cobra de “Anaconda” e o arqueólogo Indiana Jones com o médico Zamora do polêmico filme “Turistas”, sobre roubo de órgãos num Brasil totalmente distópico. O doutor Zamora é meu personagem preferido do livro.

4.     Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional, e de que forma esta pesquisa influenciou e influencia a sua carreira.

Minha formação original é em arquitetura e urbanismo. Arquiteto nunca fui. Fiz muitos trabalhos em planejamento urbano e regional, mas cada vez mais exerço menos a profissão. Abracei a Geografia e me apaixonei por ela. Dessa formação talvez tenha ainda forte um olhar mais atento à estética. No entanto eu não olho para a produção estética com encantamento. Arquitetura é linguagem e discurso. Cinema e Geografia também. É importante então olhar para a produção arquitetônica, cinematográfica e geográfica e entender os discursos nem sempre explícitos que estão por trás das obras. Esse tem sido meu trabalho.

5.     Há novos projetos atualmente?

Tenho um projeto sobre novas tecnologias da informação e comunicação e manifestações políticas no espaço público. Comecei a pesquisa logo depois dos protestos da Espanha e nem imaginava que iríamos ver o que foi junho de 2013 no Brasil. Mas como tenho um especial interesse por linguagem e discurso, acabei muito focado nas Marchas das Vadias (em protesto à violência contra as mulheres) do Rio de Janeiro. Tenho já artigos publicados e espero escrever um livro sobre o quanto há um diálogo entre o corpo feminino e a paisagem carioca nessas marchas, que não há dúvidas têm sido os protestos que mais utilizam estética e ironia como política. O corpo desnudo é também a marcação de uma diferença no espaço. E a diferença é sempre uma denúncia que sempre choca... E que infelizmente faz gerar retaliações.